«Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir».
Salgueiro Maia, Capitão de Abril.
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Passados são já 51 anos, sobre aquela madrugada, na qual, todos os Portugueses pensantes e livres, dotados de Sentido de Cidadania e de Espírito Crítico, depositaram todas as esperanças de ver um Portugal finalmente livre da ignominiosa política despótica que o sufocava.
Por tudo o que aqui abordarei, repetindo o que ainda não foi alcançado e o que se destruiu, depois daquele primeiro 25 de Abril, o que teremos para celebrar hoje?
Seria da racionalidade que o próximo governo (que terá as mesmas caras e, pelo que vemos, ouvimos e lemos, as mesmas políticas do anterior) deputados da Nação, presidente da Assembleia da República, presidente da República, autarcas e partidos políticos, fizessem um acto de contrição e pedissem desculpa aos Portugueses, por pouco terem feito pelos ideais de Abril, mantendo Portugal num vergonhoso banho-maria.
Portugal é um país que se encontra em franca decadência moral, social e cultural e, em quase tudo, está na cauda da Europa, quiçá do Mundo. E disto não nos livra nem o clima, nem as belas paisagens, os monumentos, a gastronomia e a relativa segurança na vida quotidiana, que ultimamente tem-se agravado substancialmente. Porque tudo isto é apenas para estrangeiro ver e viver.
O “25 de Abril” trazia a esperança que os jovens, a caminho do Futuro, depositaram na Revolução dos Cravos, sonhando com uma sociedade onde pudessem estudar, tirar um curso, exercer a profissão, na qual tanto investiram, viver debaixo de um tecto acessível e educar os filhos em liberdade… Quantos deles se arrastam por aí, desempregados, ou com empregos precários? A viver na casa dos pais, depois dos 30 anos? Quantos deles foram obrigados a emigrar? E não foi para isto que se fez o 25 de Abril.
Que 25 de Abril celebramos hoje?
Há que ter espírito crítico, e não ver apenas por cima das saias de renda.
Bem, no que me diz respeito, celebro o facto de poder escrever nas linhas, o que até ao dia 25 de Abril de 1974 escrevia nas entrelinhas, para ludibriar a PIDE.
Celebro também poder participar em eleições não-manipuladas (por enquanto) pelo Poder, para ajudar a escolher a governação do meu País. Só que foram pouquíssimas as vezes em que os candidatos, que eu tinha como honestos e incorruptíveis, para poderem exercer o Poder, e em quem votei, chegaram ao Poder. Mas não será esta uma particularidade da Democracia? Não será o Poder o espelho do Povo?
Celebro algumas outras coisas que foram adquiridas, mas logo que adquiridas, deterioraram-se por falta de políticas racionais.
Contudo, NÃO celebro a LIBERDADE de que tanto se fala, quando se fala de Abril, porque LIBERDADE sempre a tive, mesmo com a PIDE a rondar os meus calcanhares; mesmo com a censura a tentar travar-me o PENSAMENTO, porque, para mim, LIBERDADE não é poder fazer ou dizer tudo o que me apetece. Para mim, LIBERDADE é poder PENSAR, ter SENTIDO DE CIDADANIA e ESPÍRITO CRÍTICO, algo que nenhum algoz, por mais autoritário que seja, jamais poderá arrancar de mim: “Não há machado que corte a raiz ao pensamento (…) porque é LIVRE como o vento (…)», como escreveu Manuel Freire, para a canção “Livre”, e que também cantei, num tempo em que não podíamos cantá-la.
E este é o verdadeiro espírito da LIBERDADE, que deveria ser celebrada no 25 de Abril, e não é celebrada, porque o conceito de Liberdade foi amputado, e a tão ansiada DEMOCRACIA PLENA (aquela em que os governantes servem o Povo e o País, e NÃO os lobbies e os seus interesses particulares, e também os desígnios dos estrangeiros.
Aquela em que o Povo é quem mais ordena está ainda por cumprir, porque esmagada por governos autoritários, por um Parlamento ao serviço de interesses lobistas, e por presidências da República sem o mínimo sentido de Estado (exceptuando a do General Ramalho Eanes).
Se o 25 de Abril trouxe à sociedade portuguesa significativos benefícios, os malefícios estão a superar esses benefícios, e Portugal retrocede a olhos vistos nas conquistas que o 25 de Abril lhe trouxe. Em 51anos desconstruiu-se o País que a Revolução dos Cravos, com boas intenções, tentou construir.
Como podemos celebrar a Revolução dos Cravos, se estamos atolados em corrupção, vigarice, hipocrisia, subserviência, servilismo, ganância, negociatas, enriquecimento ilícito, ignorância optativa, irresponsabilidade, negligência, incompetência, condutas terceiro-mundistas, fraudes, vassalagem a países estrangeiros e imposições prepotentes?
Portugal serve de motejo a países que, apenas por mero interesse, lhe finge amizade, algo que uma cegueira mental acentuada não permite vislumbrar.
Já não somos Portugal. Perdemos a nossa IDENTIDADE e a nossa DIGNIDADE de País livre e independente, ao descartarmos a Língua Portuguesa, substituindo-a por uma mixórdia, cada vez mais bizarra e funesta, que nos envergonha a todos.
Eis o que, passados 51anos, Portugal continua a ser:
- Um país, onde ainda se continua a viver em pobreza extrema, com crianças e idosos a passarem fome, com bairros de lata às portas de Lisboa, e centenas de sem-abrigo, sem esperança alguma.
- Um país, que continua a ter a maior taxa de analfabetismo da Europa.
- Um país dos que menos gasta na Saúde, com um Serviço Nacional de Saúde caótico, onde falta quase tudo, dizendo do subdesenvolvimento, do retrocesso e da miséria que ainda persistem por aí, morrendo-se à espera de cuidados médicos,
- Um país que empurra para o estrangeiro os seus jovens mais habilitados: enfermeiros, médicos, engenheiros, investigadores, artistas.
- Um país que mantém o trabalho precário e salários miseráveis, enquanto que para a “cultura” da morte (touradas e caça), os subsídios são obesos.
- Um país cheio de gritantes desigualdades sociais, onde os ricos são cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres.
- Um país onde ainda há populações que vivem sem água encanada, sem electricidade, sem esgotos, sem telefone, sem Internet; onde a exploração das habitações merecia ser penalizada.
- Um país cheio de banqueiros e outros que tais ladrões, que sugam o dinheiro do Povo.
- Um país com governos que se dizem de esquerda a fazer políticas de direita.
- Um país com uma Comunicação Social submissa e servilista.
- Um país onde a Justiça anda de rastos, com processos que demoram tempos infinitos; uma justiça extremamente cara, desigual, lenta, injusta, e, em muitos casos, nomeadamente no que respeita ao MP, anda ao sabor de interesses políticos.
- Um país onde a Constituição da República é violada por quem a deveria defender.
- Um país com uma política e políticos desacreditados.
- Um país que promove a violência contra animais não-humanos, o que por sua vez gera a violência contra os seres humanos; um país que os mantêm acorrentados, enjaulados, torturados em público, para gáudio de sádicos e psicopatas.
- Um país com um elevado índice de violência doméstica.
- Um país com um elevadíssimo número de crianças e jovens em risco.
- Um país que atira crianças para arenas de tortura de animais, e permite que sejam iniciadas em práticas violentas e cruéis, roubando-lhes um desenvolvimento que se quer saudável, o que constitui um crime de lesa-infância. Impunível.
- Um país cheio de grupos e grupelhos de trabalho; de secretários; de secretários de secretários; de assessores; de secretários de assessores; de comissões; de subcomissões, que não servem absolutamente para nada, a não ser para ganharem salários descondizentes com os serviços que (não) prestam; de deputados a declararem moradas falsas para receberem subsídios ilícitos; de deputados a declararem habilitações falsas; deputados que roubam malas; e ex-presidentes da República com gabinetes e outras mordomias (à excepção do General Ramalho Eanes).
- Um país que descura a sua Flora e a sua Fauna, o Meio Ambiente, as Florestas, mantendo tudo ao abandono e à mercê de criminosos impuníveis.
- Um país que mantém as Forças de Segurança instaladas em edifícios a cair de podres, e com falta de quase tudo.
- Um país onde ainda existem Escolas com instalações terceiro-mundistas, sem as mínimas condições para serem consideradas um lugar de aprendizagem; e com tribunais, como o de Monsanto, que parece um galinheiro abandonado.
- Um país onde as prisões são lugares de diversão, com direito a vídeos publicáveis no Facebook; e onde a droga é traficada, descaradamente.
- Um país cheio de leis e leizinhas inúteis e retrógradas, que não servem para nada, a não ser para servir lobbies dos mais hediondos, e proteger criminosos impuníveis.
- Um país que não promove a Cultura Culta, e apoia a tortura de Touros e Cavalos, a que muitos querem, porque querem, que seja arte e cultura.
- Um país que apoia chorudamente a caça, assente em premissas falsas e exterminadoras.
- Um país, cujo Sistema de Ensino é dos mais desqualificados e caóticos, desde a implantação da República, onde falta quase tudo, e com a agravante de se estar a enganar as crianças com a obrigatoriedade da aprendizagem de uma ortografia que NÃO é a portuguesa, a da Língua Materna delas, estando-se a incorrer num crime de lesa-infância. Impunível.
- Um país, que tinha uma Língua Culta e Europeia, e hoje tem um arremedo de línguagem, uma inconcebível Língua de Ninguém, imposta ditatorialmente por políticos pouco ou nada esclarecidos e muito subservientes, que estão a fabricar, conscientemente, os futuros analfabetos funcionais, e a promover a iliteracia.
- Um país onde os governantes não sabem escrever correCtamente, a Língua oficial do País que dizem servir: a Portuguesa. E como referiu Maria Alzira Seixo: «Ao menos, Salazar sabia escrever».
- Um país onde, parvamente, se começou a dizer “olá a todos e a todas, amigos e amigas, portugueses e portuguesas”, como se esta linguagem, dita inclusiva, viesse resolver as disparidades sociais. Uma desmedida parolice.
- Um país, com um presidente beijoqueiro e viciado em selfies (agora não tanto, e ainda bem) e primeiros-ministros que não têm capacidade de ver o visível, muito menos o invisível, que qualquer cego, de nascença, vê à primeira vista.
- Um país, constantemente marcado por contestações sociais, com o número mais elevado de sempre de greves em todos os sectores da sociedade portuguesa.
- Enfim, um País que perdeu a sua identidade linguística (algo de que ninguém se atreve a falar) e está à mercê de estrangeiros; um país sem rumo, que faz de conta que é um país.
- E ainda há a questão da imigração desregrada, que arrasta os que para cá vêm a pensar num futuro melhor, nuns meros desgraçados, que vivem aos Deus dará.
Os 51 anos da Revolução dos Cravos não foram ainda suficientes para acabar com todas estas nódoas negras que mancham a Democracia Plena que deveria ter nascido do 25 de Abril?
Enquanto tudo isto (e muito mais, que agora não me ocorre) não sair da lista do que não se quer para um País de Primeiro Mundo, evoluído e civilizado, o que há para comemorar em mais este 25 de Abril?
Como disse Manuel Damas, num texto escrito no Facebook, por esta altura:
Não foi para isto que se fez Abril. Falta cumprir Abril, porque falta:
- Recuperar a Honestidade;
- Recuperar a Seriedade;
- Recuperar a Dignidade;
- Recuperar o Pudor;
- Recuperar o Sentido de Estado;
- Recuperar o Sentido de Missão no exercício da Política para o Povo e pelo Povo;
E acrescento eu:
- Falta também recuperar a vergonha na cara.
Isabel A. Ferreira