Nas minhas acaloradas conversas com aficionados, descobri algo que não será de todo o “ovo de Colombo”, mas é aquela luzinha que eu procurava ao fundo do túnel sombrio, desiluminado, que é o mundo da tauromaquia.
Por tudo o que já escrevi sobre o assunto qualificam-me de ignorante por não perceber nada da “arte” tauromáquica; de fundamentalista, por defender com unhas e dentes a causa da Abolição da Tourada no Mundo; de talibã (esta não sei explicar porquê); de sofrer de “diarreia mental” (também não sei o que isto é); e outros epítetos, como arrogante, insolente, besta, enfim, nada que abale a minha auto-estima, que mantenho sempre elevada, porque ninguém me conhece melhor do que eu.
Tenho rogado aos aficionados que me dêem argumentos racionais, para que eu mude de ideias e veja na imagem de um touro estraçalhado, a tal “arte” de que eles tanto falam.
E até hoje, nada. Apenas dizem que é tradição, arte, cultura, festa, alegria, que sem a tourada o touro bravo não existiria; que o Touro nasceu para ser castigado e para morrer gloriosamente na arena. E eles (os Touros) até gostam disso.
«Como é lindo ver entrar os cavaleiros, com as suas roupas brilhantes, ao som daqueles “tatararás...”, e aí vem o Touro a bufar de raiva. E o cavaleiro, a escaqueirar o couro do Cavalo com as esporas, faz investidas e espeta as bandarilhas, e o sangue escorre, e o Touro geme de dor. O cavalo arfa exaurido. Que belo cenário! E o povo aplaude! E o toureiro incha o peito, como se tivesse acabado de salvar uma criança de morrer afogada! Que lindo isto é!»
Eu é que não percebo nada de touradas!
Não, não percebo. Isto tem tanta arte e é tão brilhante que até cega uma pessoa. Estarei cega, que não vejo a maravilha que é o sangue a borbulhar das feridas do Touro dolorido, e o Cavalo de olhos esbugalhados, a saltar-lhe das órbitas, de tanto suportar a pressão das esporas e andar ali às voltas sem saber porquê?
Os aficionados nasceram e cresceram a ouvir e a ver estas cenas, para eles tão naturais como a sede deles. «Não há arte mais bela no mundo inteiro» dizia outro dia um aficionado. Pois não. O coitado nunca saiu da terrinha, nunca viu ARTE no Museu do Louvre, como podem ter a noção de que o que estão a fazer na arena é simplesmente torturar um ser vivo?
Perguntamos: sabem que o Touro é um ser vivo, não sabem?
«Um ser vivo? O Touro?»
Estupefacção!
Não sabem que o Touro é um animal como nós?
«Um animal como nós?» Espanto!
Sim, um animal como nós. Nunca tinham reparado? Ele respira o mesmo ar que nós, porque tem pulmões como nós; corre-lhe sangue nas veias, e se as furam ele esvai-se, como em nós; tem um sistema nervoso central que o faz sentir a dor, tal como em nós; tem fígado; tem ouvidos para ouvir; tem boca para comer; tem órgãos sexuais iguais aos dos aficionados para se reproduzirem (só que os dos aficionados são muito mais mirrados); têm intestinos; tem um ADN semelhante ao nosso (sabem o que é o ADN? Não sabem? Explico mais tarde); tem dentes, língua... As mesmas necessidades vitais… Isto chega?
O pasmo é grande!
«Um animal como nós? E ele sente dor como nós?» Pergunta tão “inocente”…
Claro! Os animais sentem emoções como medo, ansiedade e dor, tal como nós, e isso está provadíssimo. Mas nem precisávamos de provas. Basta-nos conviver com cães e gatos, para saber que um mamífero vertebrado sente alegria, medo, tristeza, dor, ansiedade... Ou pensam que é diferente nos Touros? Lá porque na legislação portuguesa os Touros, por conveniência económica, não são considerados animais, eles são tão animais como nós, como vós, que os torturais por mero prazer mórbido.
«Mas então...» dizem quase num sussurro…
O que vêem numa arena não passa de uma ilusão de óptica, ou seja, na arena, dependendo da perspectiva de como se vê o Touro, ele não é um animal, e como tal espetam-lhe as bandarilhas e é como se estivessem a estoquear um boneco de peluche; ou é visto como um animal e ele é torturado barbaramente, sem dó, nem piedade.
Mostro-lhes as imagens de sofrimento dos bovinos, que sempre existiram, existem e existirão para sempre, independentemente de a tourada vir a ser ENTERRADA (ainda este ano?).
Então? O que vêem aqui? Um boneco de peluche ou um ser vivo estraçalhado?
«Ahhhhhhhh!», e abrem aquelas bocas com bafo de vinho…
A ignorância e a estupidez são muito tristes!
Isabel A. Ferreira