Associo-me a esta homenagem àquela que soube honrar a Humanidade, deixando-nos um legado ímpar, sobre a natureza humana entrelaçada com a natureza dos outros seres vivos que connosco partilham o Planeta.
Isabel A. Ferreira

JANE E LOUIS
Como contei num post anterior, em 1971 apaixonei-me pelo trabalho de Jane Goodall e descobri o rumo da minha vida: o Comportamento Animal.
Naquele tempo não havia Internet. Escreviam-se cartas e esperava-se, com paciência, por respostas que chegavam ao ritmo de outros mundos.
Em poucos meses, depois de insistir junto de muita gente, consegui pôr as mãos num número da revista Nature, de 1964 (volume 201), que guardo religiosamente até hoje. Nele vinha um artigo da Jane: “Tool-Using and Aimed Throwing in a Community of Free-Living Chimpanzees”.
Foi o primeiro artigo científico que li na minha vida. Sei-o quase de cor, e poderia declamá-lo como se declama um poema.
Mas… vamos à história.
Em 1924, na África do Sul, o grande paleoantropólogo australiano Raymond Dart, pai da chamada “Hipótese da Savana”, descobriu um crânio de tamanho intermédio entre o dos humanos e o dos chimpanzés. Sugeriu então um novo género, ao qual chamou Australopithecus — “símio do sul”.
Mais tarde, outro gigante da paleoantropologia, Louis Leakey, e a sua esposa Mary, trabalhando na Garganta de Olduvai, na Tanzânia, descobriram fragmentos de fósseis humanos — os primeiros Homo habilis, depois Homo erectus — e as suas ferramentas acheulenses.
Foi nesse contexto que os mundos de Jane Goodall e de Louis Leakey se cruzaram.
Jane, inicialmente contratada como secretária, revelou uma atenção ao detalhe, uma paciência infinita e um conhecimento vivo sobre a natureza que impressionaram profundamente Leakey. Ele procurava um olhar fresco, alguém capaz de ver o que a ciência estabelecida não via — e encontrou em Jane essa ousadia do olhar.
Um dia, Jane disse-lhe:
— O que eu gostaria mesmo era de estudar o comportamento de Australopithecus.
E Leakey respondeu-lhe:
— Australopithecus não tenho… mas um Australopithecus é, no fundo, um super-chimpanzé.
E assim começou a aventura.
Em 1960, com apenas 26 anos, Jane Goodall viajou para a Tanzânia. Leakey ajudou-a a obter uma bolsa da Fundação Wilke. Ao mesmo tempo, incentivou Biruté Galdikas a estudar orangotangos e Dian Fossey a estudar gorilas. Ficaram conhecidas como as «Trimates». Juntas, abriram janelas sobre o mundo dos grandes primatas — e, através deles, sobre nós próprios.
Lembro-me de, anos mais tarde, numa conferência a que Jane assistiu, lhes ter chamado “Leakey’s Girls”. Ela riu-se com gosto. No fim, ficámos a conversar, e essa conversa ficou gravada como uma das minhas mais queridas memórias.
Em 1960, Jane relatou pela primeira vez a Leakey que os chimpanzés não apenas usavam, mas fabricavam ferramentas.
O mundo científico estremeceu. O que se julgava ser uma fronteira intransponível entre o humano e o animal ruía. Leakey respondeu com a frase que ficou para a história:
“AGORA TEMOS DE REDEFINIR FERRAMENTA, REDEFINIR O HOMEM OU ACEITAR OS CHIMPANZÉS COMO HUMANOS.”
Leakey incentivou Jane a prosseguir o doutoramento em etologia em Cambridge e a obter o apoio da National Geographic. Graças à projecção internacional dessa plataforma, o mundo descobriu as personalidades únicas e o rico tecido social dos chimpanzés — tão semelhantes, afinal, às nossas.
As descobertas de Jane Goodall mudaram para sempre a forma como vemos os animais, a nós próprios e o lugar que ocupamos na grande teia da vida.
Graças a ela — e a todos os que com ela partilharam o caminho — compreendemos hoje não só como evoluímos, mas também como estamos entrelaçados com os outros seres vivos deste planeta.
(continua...) #JaneGoodall
Fonte:
https://www.facebook.com/photo/?fbid=10161877317858837&set=a.10150637539043837