Interior da Basílica de Santa Maria Maior, última morada terrena do Papa
Franciscus
Vimo-lo pela última vez faz hoje uma semana, Domingo de Páscoa. Debilitado, enfraquecido, mas com vontade indómita de pronunciar uma última mensagem urbi et orbi, tão inspiradora como a primeira que nos transmitiu mal fora eleito Papa, a 13 de Março de 2013. «Boa noite», afirmara então, mal assomou nesse instante inicial como Pontífice ao balcão da Basílica de São Pedro antes de pedir aos 1400 milhões de católicos que rezassem por ele.
«Boa Páscoa», disse neste dia 20, em cadeira de rodas, à multidão de fiéis que o escutava. Já tão próximo do seu limite físico, pronunciou a palavra que - mais do que qualquer outra - significa a transição da morte para a vida.
Repousa desde ontem na Basílica de Santa Maria Maior, no chão de uma nave lateral. Tendo inscrito apenas o seu nome em latim no mármore oriundo da Ligúria, região natal dos seus avós.
«Franciscus».
Ei-lo ali, humilde até ao fim, no termo da sua peregrinação terrena, após os grandes do planeta se despedirem dele numa soalheira manhã em Roma e cerca de meio milhão de pessoas comuns terem acompanhado a urna ao longo do cortejo de seis quilómetros.
Pedra tumular rasa, sem luxo nem ornamentos, para aquele que foi sem dúvida um príncipe da Igreja Católica neste primeiro quartel do século XXI. Quem lhe suceder no trono de Pedro tem um encargo muito pesado: permanecer à altura do legado de Jorge Mario Bergoglio, o bom pastor que veio dos confins do planeta com a missão de unir o mundo. Cumprindo a Parábola dos Talentos, uma das estimulantes lições de vida que podemos colher dos Evangelhos.
Os seus restos mortais moram agora na laje do templo mariano onde nenhum pontífice era sepultado desde Clemente IX, em 1669. O último chefe da Igreja antes dele a escolher como última morada terrena um cenário alternativo à Basílica de São Pedro havia sido o grande Papa Leão XIII, sepultado há 122 anos em São João de Latrão.
Ninguém deve invejar a tarefa de quem irá seguir-se, por eleição dos seus pares, no conclave dos cardeais. Terá de prosseguir, sem desfalecimentos, a marcha contra a globalização da indiferença. Por uma igreja sem muralhas, onde «todos possam entrar», na senda deste belo lema que Francisco nos transmitiu.
Acusam-no alguns de se ter desviado da rota. Gente de pouca fé: esta mensagem está inscrita desde o início, na Parábola do Bom Samaritano (Lucas X, 25-37). Pronunciada de viva voz por Jesus no seu apelo de amor ao próximo que nos leva a socorrer os mais necessitados, venham de onde vierem, por imperativo moral.
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo.» Dois mil anos depois, nenhum estribilho ideológico conseguiu ser mais inspirador e luminoso do que este mandamento, pedra angular da civilização.