Esta ideia peregrina da transladação foi aprovada por unanimidade em plenário da Assembleia da República, em 15 de Janeiro de 2021. A iniciativa foi da Fundação Eça de Queiroz, presidida por Afonso Reis Cabral, trineto (e não bisneto do autor, como vem referido no jornal Expresso) e impulsionada pelo grupo parlamentar do PS.
É vergonhoso o que está a passar-se. Dá-me a sensação de que será uma vingança pelas críticas ferozes que Eça fazia aos que queriam, podiam e mandavam, no seu tempo, e em tempos mais antigos, ou melhor, desde sempre, porque o Poder sempre foi pernicioso. E perniciosa foi a ideia do grupo parlamentar do PS, aceder a Afonso Reis Cabral.
Alio-me aos seis bisnetos de Eça de Queiroz, que se opuseram à transladação do corpo do escritor para o Panteão Nacional, prevista para amanhã, mas adiada, devido ao tribunal, em cima da hora, não ter considerado a Providência Cautelar interposta por esses bisnetos, e não haver tempo para preparar as cerimónias.
Mas as coisa pode não ficar por aqui.
O povo de Baião também tem algo a dizer. Eça de Queiroz não pertence aos políticos, nem à política. Pertence à Nação. E a Nação somos todos nós.
Eça de Queiroz repousa no lugar da sua eleição.
A maior homenagem que os actuais políticos portugueses podem fazer a Eça de Queiroz é deixá-lo no lugar onde pertence, e PROIBIR que a sua obra seja conspurcada e reescrita na mixórdia ortográfica em que se transformou a Língua Portuguesa, da qual ele é um dos seus maiores estilistas. E já andam por aí umas publicações acordizadas da sua obra, que espero sejam atiradas ao lixo. Acordizar Eça é um crime de lesa-literatura, um insulto à sua memória, e retirá-lo da SUA Tormes é desenraizá-lo, literariamente falando. Ah! E começarem a escrever o seu nome correCtamente: Eça de Queiroz, e não, de Queirós, como ignorantemente se vê por aí.
E isto, sim, seria a maior homenagem que os actuais políticos poderiam prestar ao autor de “A Cidade e as Serras”.
O texto que se segue, atribuído a Eça de Queiroz, data de 1867, e o que mais sobressai deste texto é que ele poderia ter sido escrito hoje, dia 26 de Setembro de 2023.
«Política de Interesse»
Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.
Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora (1867)»
Fonte: https://www.citador.pt/textos/politica-de-interesse-eca-de-queiros
Esta é uma das imagens que as pessoas vêem, logo que ultrapassam a porta de entrada da minha casa. Esta é a minha homenagem ao escritor que nunca se curvou à mediocridade dos políticos. E essa foi uma das grandes lições que aprendi com Eça de Queiroz...
Isabel A. Ferreira