Domingo, 24 de Janeiro de 2010
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010

A. Monteiro dos Santos, na Caravela «Boa Esperança», atracada em Vila do Conde, recordando o seu tempo de marinheiro, o que deu origem ao seu pseudónimo de poeta - Dário Marujo
Parabéns a você/ Nesta data querida/ Muitas felicidades/ Muitos anos de vida...
Hoje é dia de festa/ Cantam as nossas almas/ Ao Monteiro dos Santos/ Uma salva de palmas!...
Como gostaria, caro amigo, de poder cantar assim, hoje, dia em que completarias 66 anos de vida. Não foi muito o tempo que tiveste para viver, mas foi o suficiente para te tornar imortal, através da tua poesia, do teu saber, da tua obra...
Nenhuma pergunta havia que não deixasses sem resposta. Eras uma espécie de enciclopédia ambulante. Viveste entre os livros, trabalhaste entre os livros. Soubeste utilizar esta circunstância da melhor maneira.
Mas também foste Poeta. Nasceste Poeta.
Lembro-me de que por ocasião do meu aniversário (também em Janeiro, a uns escassos dias do teu dia), quando a nossa amizade estava já consolidada, tu começaste a oferecer-me, a prenda mais bonita que alguém pode receber: um poema.
Se estivesses vivo, hoje, estarias, com certeza, a escrever um poema para me ofereceres daqui a uns dias. Como não estás entre nós fisicamente, e como não podes lançar palavras, daí, onde acredito que vivas, vou homenagear-te, aqui, muito emocionadamente, com o primeiro poema que me dedicaste, já lá vão muitos anos... Um poema que nunca ninguém leu, a não ser eu.
À Isabel A. Ferreira, no dia do seu aniversário natalício
Se te dói o desgosto que tens
Por campear a maldade,
Por reinar a estupidez,
Por vingar a ingratidão;
Se te dói a mudez de outras almas
Que apenas têm cabeça
Para acenar,
Sem pensar;
Se te agride a bajulice,
Ser humano feito bicho,
Sanguessuga, chupa-sangue,
Invertebrado e malvado,
Rastejante, feito cobra,
Todo feito de manobra.
Se o velhaco te dói mais
Que o maior celerado...
(Eu sei o quanto te dói,
Te magoa, te punge,
Te fere e te entristece)
Aceita
A minha receita:
...
Ergue a tua fronte
Acima do NADA.
Sê mais forte que essas doninhas
Que enxameiam ao teu redor.
Fazendo isto, tu serás mulher
E ninguém será mais do que tu
E serás tu mais que qualquer!
A. Monteiro dos Santos/ Janeiro de 1988
*
Ah! meu amigo, apesar de passados todos estes anos, ainda me dói desgostos e continuo rodeada de doninhas. Porém, nunca deixei de seguir a tua receita, sempre de fronte erguida e acima do nada que me rodeia. Só assim tenho sobrevivido.
Vila do Conde, tua terra natal, e minha terra do coração, já não é a mesma sem a tua presença, a presença de um amigo verdadeiro, daqueles que já não se fazem...
Estejas onde estiveres, ofereço-te esta rosa amarela (símbolo do nosso grupo de poetas), a rosa que fotografaste no pequeno jardim, da pequena rotunda, junto à antiga Biblioteca Municipal, hoje o Arquivo, em Vila do Conde.
Até sempre amigo!
Continuarás connosco, porque os Poetas não morrem nunca.
Isabel A. Ferreira
Sexta-feira, 22 de Janeiro de 2010

Hoje é um dia muito especial para mim.
E como tenho muita consideração por quem me visita, quero partilhar com todos vós a alegria deste dia, enviando-vos a minha amizade. Um bem precioso. Único.
Sem amigos a vida torna-se insípida, como sabeis.
Desejo-vos todas as felicidades do mundo.
Hoje disseram-me: não percas tempo com quem não está disponível para passar algum tempo contigo.
Reflecti sobre isto. Na verdade, o nosso tempo é demasiado valioso para o perdermos com quem não merece o nosso sorriso.
Disseram-me ainda mais: hoje rodeia-te daqueles que realmente gostam de ti. Não importa se são poucos, o que interessa é que gostem de ti, desinteressadamente.
Ouvi estas palavras com muita atenção.
Ter poucos amigos, mas bons, é uma bênção.
Partilho convosco essa bênção.
E deram-me ainda um conselho: não corras demasiado, as melhores coisas chegam quando menos se espera e, tudo o que chega, chega sempre por alguma razão, e quando alguma coisa termina, não chores, nem fiques triste… Sorri, porque ela aconteceu.
Reflecti sobre isto, e decidi partilhar convosco estes pensamentos. Hoje.
Com a minha amizade.
Terça-feira, 19 de Janeiro de 2010

As crianças são quem mais sofrem, inocentes, o futuro...
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
É inconcebível o que está a passar-se no Haiti.
Um povo, gente simples...
Como puderam os governantes deixarem um país ao abandono, ao ponto de, por ocasião de uma catástrofe desta dimensão, não haver serviços, ou uma qualquer organização interna que pudesse prestar um apoio imediato, logo após o terramoto, e quando chegassem, como estão a chegar, as ajudas humanitárias de toda a aparte do mundo, haver quem coordenasse essa ajuda, para que as coisas pudessem funcionar mais acertadamente?
Onde estão as autoridades haitianas? Governantes, ministros, polícia, bombeiros, médicos, protecção civil? Onde estão? Todos mortos? Como pôde um Governo deixar chegar um país a um nível tão caótico, mesmo antes da catástrofe?
O que andaria a fazer René Préval? A passear-se pelo seu belo palácio?
Será que é legítimo o mundo ficar indiferente ao que se passa nestes países onde os governantes se governam, mas desgovernam o seu país?
O povo é frágil, pobre, desprotegido, analfabeto, o que fazer contra os governantes que os abandonam? Em nome de quê?
Se o Haiti fosse um país bem organizado, bem governado, esta tragédia não teria a dimensão que está a ter: absolutamente inconcebível! Intolerável!
Chegou o momento de reflectir o mundo: é legítimo deixar um povo apodrecer por falta de governação?
Como o Haiti, quantos outros pequenos povos pobres existem por aí? Governados por indivíduos bem alimentados, enquanto o seu povo morre de fome.
Será legítimo não se interferir nessas governações, para salvar os povos desprotegidos dessa miséria, inexplicável em pleno século XXI? Enquanto outros sofrem de obesidade?
Sempre fui adepta de um ditado chinês (os antigos chineses eram sábios, os actuais nem tanto) que diz: «Se vires um homem com fome, não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar».
É isso que os povos pobres do mundo precisam: que os ensinem a sobreviver, que lhes dêem meios para sobreviverem. Andar a fazer caridadezinha não resolve os problemas deles, apenas lhes mata a fome imediata. Mas continuam pobres e famintos no dia seguinte. E no outro, e no outro...
O problema de fundo não fica resolvido.
Por que se faz tanta questão de andar a guerrear (gastando-se verbas astronómicas) e não se faz questão de ajudar esses povos pobres a serem autónomos economicamente? E os refugiados, que vivem em campos à espera da tal caridadezinha, anos a fio... por que não ensiná-los a pescar?
O mundo anda às avessas. Quem pode e manda, mostra que manda, mas o que faz não chega para que as coisas mudem.
Espero que a tragédia do Haiti faça acordar o mundo para uma nova ordem. A que existe, está ultrapassada. Está gasta. Está podre. Não serve a Humanidade. Os Grandes juntam-se, aqui e ali, comem, bebem, conversam, para que tudo continue igual. É tudo uma grande farsa.
É chegada a hora de MUDAR.
Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2010

(Origem da foto: Internet)
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
A HUMANIDADE NÃO PODE FICAR INDIFERENTE
Não posso deixar de aqui expressar toda a minha mágoa pelo que está a passar-se no Haiti, e dirigir a todos os sobreviventes uma palavra de solidariedade, pelo horror que estão a viver.
Não mereciam isto.
Um povo já de si tão pobre, tão desprotegido, tão frágil, tão sem governo, não merecia mais esta provação.
Mas o que é o homem diante da poderosa Natureza?
É nada. Absolutamente nada.
Onde estão os governantes haitianos num momento destes? Se estão mortos, não há nada a dizer senão paz à sua alma. Mas se estão vivos, o que estão a fazer para apoiar o seu povo? Vergonha das vergonhas.
A Humanidade não pode ficar indiferente a esta tragédia, que se adivinha ainda mais trágica dentro de dias.
As descrições que nos chegam sobre o que lá está a passar-se parecem tiradas de um filme de terror, bem como as imagens.
Homens que governam o mundo: ponham os olhos nestas imagens e reflictam. Não podem deixar um povo chegar ao fundo do abismo, desta maneira.
Vêm-se pessoas a deambular pela cidade, rodeadas de mortos, como se passeassem num jardim. O que fazer? Devem sentir-se perdidos no vazio. O que esperar?
Os mortos estão mortos. Os feridos, sem uma ajuda imediata, aumentarão o número dos mortos. Os que se encontram, ainda vivos, debaixo dos escombros acabarão por morrer de dor, numa solidão indescritível, lentamente. Os vivos, sem água e alimentos morrerão também.
É horrível toda esta conjectura.
O mundo deve unir-se para ajudar os haitianos.
É preciso que não haja dúvidas: os que conseguiram sobreviver aguardam ajuda, aquela ajuda que muitas vezes fica pelo caminho, transviada por mãos criminosas.
Espero que esta tragédia não tenha acontecido em vão: é preciso urgentemente que os povos mais ricos ajudem os povos mais pobres, para que numa situação destas a fatalidade não tenha a dimensão da do Haiti.
Esta é na verdade a tragédia maior.
Quarta-feira, 13 de Janeiro de 2010
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
Tempos aqueles da minha saudade, quando ledos os rios corriam cantando...
Tempos aqueles da minha saudade, quando ledos os rios corriam cantando águas límpidas e tranquilas, por entre margens onde as giestas em flor se debruçavam delicadamente, envolvendo a paisagem de cor e perfume.
Tempos aqueles da minha saudade, quando nas águas desses mesmos rios, seguia, encantada, o bailado dos peixes prateados que, serpenteando a vida, subiam à superfície e mergulhavam contentes, e pareciam sorrir… Ou quando seguia, com o olhar cativo, os barcos à vela cruzando o oceano ou descendo o rio, à boleia do vento…
Tempos aqueles da minha saudade, quando na solidão dos montes, procurava o silêncio e com ele brincava, e olhava o voo deslizante das aves planando suavemente, ora nas alturas, roçando as nuvens, ora junto às florinhas silvestres que matizavam as encostas desses mesmos montes.
Tempos aqueles da minha saudade, quando corria por entre as louras searas ondulantes ou tranquilas, conforme a dança dos ventos, naqueles admiráveis fins-de-tarde, à hora em que cortes celestiais desciam à Terra, nela deixando um rasto de luz dourada, que as moscas-de-fogo absorviam e com ela iluminavam os caminhos, quando a noite cobria de trevas a aldeia.
Tempos aqueles da minha saudade, quando percorria o meu país, em busca das minhas raízes, e me extasiava diante da serena beleza dos campos verdes, nas mornas tardes de Outono, coloridas pelo Sol poente, ou nas madrugadas brancas e frias em tempo de Inverno.
Tempos aqueles da minha saudade, quando descobri os férteis vales, as colinas, as fragas solitárias, as encostas cobertas de vinhas da minha terra, e me encontrei diante de magníficas e vastas paisagens, repousantes paisagens, e de bosques povoados de espécies exóticas, pinheiros silvestres, vidoeiros, sobreiros, carvalhos, oliveiras e outras árvores milenares, e outra vegetação arbórea espontânea, e as pequeninas flores: narcisos, troviscos, sargaço-mourisco, alecrim, orquídeas e pimpinelas, que habitavam as serras, os prados, os pinhais e outeiros.
Tempos aqueles da minha saudade, quando descobri as imensas e verdes pastagens, onde pastores solitários apascentavam rebanhos; ou quando visitei povoações antigas, aldeias de granito, velhas azenhas, ruínas de casebres, aldeias inteiras caiadas, ocultas nas serras, onde os dias deslizavam ledos como as águas dos ribeiros que serpenteavam entre as formações rochosas.
Tempos aqueles da minha saudade, que enchem de nostalgia o meu tempo presente…
*
Recentemente, tentei redescobrir os rios, os montes, os prados, as praias e as aldeias do meu país. E fiquei desolada.
Em vez de águas tranquilas e transparentes, encontrei águas negras, transbordando espumas: depósito moribundo de lixeiras fabris, correndo entre margens onde as flores murcharam e deram lugar a troncos secos e a toda a espécie de lixos.
Não mais posso dar os meus habituais passeios à beira-mar, às horas mortas da manhã. O areal coberto de óleos negros, restos de plásticos, ossos de animais e paus, não convidam nem as gaivotas, assíduas frequentadoras das praias, a nelas pousarem. Por isso, alinham-se, desoladas, nos telhados dos prédios.
Até o silêncio que procurava nos montes já não o encontro. O ruído infernal das infernais máquinas agrícolas, invadiu os campos, obrigando os grilos e as cigarras a calarem-se.
Se deixarmos o litoral e nos embrenharmos no interior do país, encontramos quilómetros e quilómetros de áreas florestais destruídas pelo fogo, ainda não reflorestadas, ou belos bosques substituídos pela insuportável frieza do betão. Os nossos belos bosques estão a dar lugar a enormes construções que não servem para nada.
Até as nossas belas paisagens, e as encantadoras aldeias portuguesas que mereceram do poeta Gomes Leal belíssimos versos: «Eu gosto das aldeias sossegadas/com seu aspecto calmo e pastoril/erguidas nas colinas azuladas/mais frescas que as manhãs finas de Abril»; a serenidade das velhinhas povoações está a ser modificada, violada por um progresso pernicioso. Vivemos cercados pela destruição da beleza, da repousante beleza. E não é apenas a paisagem que está a ser destruída. É a vida também.
Não admira, pois, que os nossos jovens vivam desencantados, e se entreguem às “consolas”, se tudo à sua volta é desolador: a poluição, a invasão do plástico, a invasão do betão, a invasão do alcatrão. Gigantesca onda negra que destrói o verde dos campos, o vermelho das papoilas, o amarelo dos girassóis, o azul dos miosótis; que vai substituindo as giestas, os bosques povoados por várias espécies de flora e de fauna, os narcisos, o alecrim, o trovisco; e as aldeias caiadas de branco, as águas dos rios e do mar.
Os nossos jovens vivem rodeados de trevas, onde nem as moscas-de-fogo (que eu tanto gostava de contemplar) se atrevem a entrar. Desconhecem a beleza tranquila do amanhecer em plena serra. Nunca ouviram o silêncio que inunda as colinas à hora em que o Sol se põe. Os seus sentidos estão tolhidos pelo mundo violento que os submerge, que os lança ao fosso cavado por uma civilização em decadência.
E não me perguntem de quem é a culpa. Dos ratos sei que não é, com certeza. Nem dos vermes que, debaixo da terra aguardam, pacificamente os corpos putrefactos de que se alimentam. A culpa não é dos abutres, nem dos lobos esfomeados, que atacam rebanhos; nem dos morcegos sedentos de sangue; nem das moscas, ébrias de lixo; nem dos cães vadios que viram as latas do lixo e ladram à lua; nem dos dinossauros ou dos macacos gigantes ou dos monstros das Bandas Desenhadas.
Também não é minha, que cultuo a Natureza e todos os seres vivos com o mesmo respeito que dedico ao meu semelhante.
Tempos, tempos outros, aqueles, que não se repetirão, porque não sei que loucura invadiu a Humanidade, arrastando-a vertiginosamente para um abismo.
Não destruam, os homens, os pequenos paraísos que ainda vão resistindo no meu país, para que possa haver 7 Maravilhas para mostrar ao mundo.
Porque a mim, no meu canto, só me resta entregar ao vento o grito do meu protesto.
Sexta-feira, 8 de Janeiro de 2010

(Imagem retirada da Internet)
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
(Foi hoje aprovada, na Assembleia da República Portuguesa, a lei que permite o casamento no Civil entre homossexuais. Eis uma antevisão de um futuro, que pode muito bem estar mais próximo do que pensamos)
Rui e Carlos conheceram-se numa determinada noite, no “Gaybar”, um dos mais badalados da cidade. E o amor aconteceu logo ao primeiro olhar.
Nessa noite, passearam, felizes, com a cumplicidade de uma Lua cheia de luz, pela cidade adormecida.
A paixão foi de tal modo arrebatadora que decidiram juntar os trapinhos, porém, decentemente, para não ficarem “falados” na sociedade.
Procuraram o Padre Arnaldo, muito modernaço, que sim senhor, casá-los-ia, na Igreja de Santo António, como se sabe, um santo casamenteiro.
No dia aprazado, à Igreja, toda enfeitada de açucenas brancas, foram chegando os convidados de um e de outro.
Um pouco mais cedo, como convém, chegou o Rui, no seu smoking preto e flor branca na lapela. Bem penteado. Sapatos de biqueira fina, enfim, um noivo para não se lhe pôr qualquer defeito.
Muito atrasado, como é da praxe, e pelo braço da madrinha Arminda, veio o Carlos, vestido de branco, dos pés ao pescoço, num smoking igualmente muito elegante, e como complemento, trazia um ramo de orquídeas brancas.
Chegados ao altar, ao som da Marcha Nupcial, interpretada por um exímio organista, a madrinha Arminda entrega o noivo ao noivo, fazendo votos para que fossem felizes até à eternidade.
O Padre Arnaldo começou a cerimónia com um curto intróito, fazendo alusão às palavras bíblicas: O homem deixará o pai e a mãe, para se unir ao seu homem, e os dois serão uma só carne.
Seguiu-se a pergunta habitual: É de livre vontade… E os sins foram proferidos sem hesitação. Rui e Carlos trocaram as alianças, deram-se o beijo da consumação do acto, e a terminar a cerimónia, o Padre Arnaldo abençoou-os como é igualmente vulgar: Que Deus vos abençoe e vos conceda os filhos desejados.
Seguiram-se os cumprimentos, as fotos, o banquete, o arremesso do ramo do noivo (quem o apanhou foi o Luís), o baile, e lá mais para o início da madrugada, a lua-de-mel.
Passou-se um ano, passaram-se dois, e algo ensombrava o feliz casamento de Rui e Carlos: o facto de não terem filhos. Foi então que o Carlos, que era Carlos apenas por fora, mas por dentro era Carla, através da inseminação artificial ficou grávido.
Passados nove meses nasce uma linda e meiga menina: a Amélinha, que foi criada com todo o carinho, com todo o amor, com todos os cuidados.
Na altura própria ensinaram-na a falar. E ela chamava papá ao Rui e mamã ao Carlos. Na verdade, eram uma família muito, muito unida e feliz.
Chegado o tempo da escola, Amélinha, lá foi, pela mão da mãe Carlos.
Nesse dia, conheceu os seus novos amiguinhos e amiguinhas, e naquelas conversas de meninos e meninas, perguntaram-se uns aos outros: Como se chama a tua mãe? Como se chama o teu pai? Todos responderam naturalmente: A minha mãe chama-se António e o meu pai Luís; o meu pai chama-se Maria e a minha mãe Ana; a minha mãe é o João e o meu pai o José; o meu pai é a Luísa e a minha mãe a Paula; o meu pai é Joaquina…
Todos responderam com normalidade excepto a Susaninha.
E a Amélinha, menina muito meiga, abeirou-se da Susaninha, e perguntou-lhe: E a tua mamã e o teu papá como se chamam?
E a Susaninha disse, muito baixinho, muito envergonhadinha: A minha mãe chama-se Alice, e o meu pai chama-se Fernando.
Uma mulher e um homem? Que esquisito! Comentaram os outros meninos.
Sim, muito, muito esquisito para todos, excepto para a Amélinha, que aprendera com a mãe Carlos, que o mais importante é o amor. E disse à Susaninha: Não fiques triste! A tua mãe Alice não te ama? O teu pai Fernando não te ama? Susaninha disse que sim. Então? O mais importante é o amor, arrematou a Amélinha.
Nesse dia, as mães dos meninos foram buscá-los à escola.
Amélinha correu, feliz, para os braços de Carlos, sua mãe.
Susaninha correu para a mãe Alice, chorando, muito infeliz.
A mãe perguntou-lhe: O que aconteceu, minha filha? Alguém te tratou mal? E a Susaninha, soluçante, contou à mãe que só ela é que era filha de um homem e de uma mulher, todos os outros meninos, eram filhos ou só de homens ou só de mulheres. A mãe Alice, disse-lhe apenas: Não fiques triste, eu amo-te, o teu pai ama-te, e o mais importante é o amor.
As meninas ficaram amigas. Cresceram e transformaram-se numas belas jovens.
Amélinha apaixonou-se perdidamente por Susaninha, mas Susaninha amava o António (filho da Maria e da Ana), que por sua vez amava o Julião, (filho de João e de José).
A vida separou Amélinha e Susaninha, que seguiram caminhos diferentes. Profissões diferentes. Cidades diferentes.
Nunca mais se viram. Nunca se casaram.
Amélinha sempre fiel ao amor por Susaninha.
Susaninha sempre fiel ao amor por António.
Porém, António casou-se com Julião, e foram muito felizes, apesar de Julião nunca ter podido engravidar.
Coisas que acontecem...!
Terça-feira, 5 de Janeiro de 2010

Profissionais de saúde prestam assistência à execução de Manuel Martinez Coronado, o primeiro preso a ser executado por injecção letal na Guatemala, Fevereiro 1998
Copyright © Isabel A. Ferreira 2010
Matar humanamente...
A frase ficou a ecoar -me no cérebro como uma vergastada.
O programa já havia começado no canal Odisseia. Apanhei-o no início. Não lhe sei o nome. Tratava da pena de morte e do modo mais humano de a concretizar. Um indivíduo (do qual também não soube o nome) tinha se prontificado a “estudar” esse modo.
Como se sabe, a pena de morte que ainda existe em alguns países ditos dos mais evoluídos do mundo, executa-se através da injecção letal, da cadeira eléctrica (electrocussão) e do enforcamento, que se não forem bem efectuados podem causar algum sofrimento aos condenados. Há igualmente a prática do fuzilamento, modo, a meu ver, mais rápido, porque se os carrascos forem bons atiradores, a morte resolve-se instantaneamente; a câmara de gás, e o apedrejamento (aplicado covardemente, por exemplo, às mulheres muçulmanas), métodos, contudo, não utilizados nos EUA, e era precisamente os modos utilizados nesse país, de que tratava o programa.
Depois de mostrarem como se executavam os condenados em cada uma das outras modalidades, e da sua possível falibilidade, que poderia causar o tal “sofrimento” aos condenados, passou-se então a procurar um meio de matar humanamente...
Esta expressão chocou-me. Como pode matar-se humanamente, por mais hediondo que seja o crime do condenado?
Sou absolutamente contra a pena de morte, por várias razões. Uma delas é o facto de acreditar que a morte é uma libertação, e com a libertação não há punição. A morte, para o condenado, será um alívio, não um castigo. Considero a prisão perpétua muito mais penosa do que a morte. Viver encarcerado numa cela de prisão até ao fim dos dias é uma condição pavorosa, tendo em conta que existe todo um mundo cá fora, cheio de coisas para viver...
Ao cometer-se um crime horroroso, contudo, merece-se um castigo. Sou a favor de uma punição exemplar. Não se assassina, não se tortura, não se pratica uma violação contra um ser humano, impunemente. Um crime sórdido deve ser punido com uma pena correspondente à sua sordidez.
Mas pena de morte não!
Matar é um acto violento. Contra-natura. Se matamos alguém que matou outro alguém igualamo-nos a ele.
Não seria muito mais penoso para Saddam Hussein (que já fora o senhor todo-poderoso de um povo) ter sido condenado a prisão perpétua, do que ser enforcado do modo como foi (ainda que a morte por enforcamento, para os iraquianos, seja a suprema vergonha)? Não teria ele mais tempo de “ruminar” as atrocidades que cometeu contra o seu povo, se tivesse ficado vivo? Assim, enforcaram-no, ele morreu, libertaram-no do jugo da matéria e da vergonha de ter sido apanhado, escondido dentro de um buraco, como um bicho. Ele, que tinha sido o senhor todo-poderoso do Iraque!
Matar humanamente...
Procuram-se formas de matar humanamente...
Não seria mais lógico procurar um modo de os seres humanos poderem viver humanamente, sem precisarem de ser mortos humanamente?...
Isabel A. Ferreira