Sexta-feira, 26 de Setembro de 2008

Sexo: Com nexo ou (des) (co) (nexo)?

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
(Bom Jesus de Braga)
 
Olhamos o mundo, se não somos cegos...
Sentimos uma infinidade de sensações apenas nossas, de ninguém mais...
 
 
Querem impingir-te sensações?...
E tu permites?...
 
Lembro-me de dizer-te que nascemos nus do ventre da nossa mãe, sem saber coisa alguma. Temos de aprender tudo. Na verdade, nem tudo. Ninguém nos ensina, por exemplo, a chorar. A rir. A ouvir. A cheirar. A olhar... Nascemos já a chorar. Rimos se temos vontade. Ouvimos os sons se não somos surdos. Cheiramos os aromas se o nosso olfacto funcionar bem. Olhamos o mundo se não somos cegos... Sentimos uma infinidade de sensações que são apenas nossas, de ninguém mais.
 
Estamos no plano dos sentidos. O meu sentir pode ser diferente do teu sentir. A felicidade faz-me chorar. A ti faz-te rir? Ainda que te fizesse chorar talvez o teu choro não tivesse a intensidade do meu choro. O que sentimos é único, incomparável e imensurável. Cada um é cada um. Não posso sentir o que tu sentes, porque eu sou eu e tu és tu.
 
E o sexo? Não é como o choro? Nascemos também com ele. Faz parte de nós. Nós somos sexo: feminino ou masculino. A partir daí comportamo-nos de acordo com essa característica. Diferentemente. Unicamente.
 
Cada mulher é uma mulher. Cada homem é um homem.
E quando dois seres de sexos diferentes se encontram, o que fazem? Podem olhar um para o outro e sorrirem, se são amigos; podem fazer amor com nexo, se se amam; ou podem simplesmente fazer sexo (des) (co) (nexo) se é o que desejam no momento.
 
Não venho dar-te lições de sexo, porque o sentes palpitar dentro de ti. O sexo nasceu contigo. E assim como não foi preciso ensinar-te a chorar, não é necessário ensinar-te sexo. Não quero dizer-te como hás-de comportar-te diante de um homem ou de uma mulher. O que sentires é contigo. Não vou entrar na tua intimidade e aconselhar-te a fazer isto ou aquilo, porque assim é melhor. O que é para mim pode não ser para ti...
 
O que tu fazes, o que tu gostas, o que tu sentes, o que tu desejas não dirá só respeito a ti e a quem tu escolheres para contigo partilhar a tua intimidade? Que tenho eu a ver com isso? Que tem o mundo a ver com isso?
 
Aquilo a que chamam o marketing do sexo tem a pretensão de impingir-te sensações? Transformar-te num fantoche? E tu permites? É porque gostas de fazer sexo (des) (co) (nexo). E se isso te faz feliz...
 
Posso dizer-te apenas que os nossos irmãos animais fazem sexo com nexo, porque é do seu instinto reproduzirem-se. Mas tu não vives com o único objectivo da reprodução, pois não? Por vezes, isso até nem te convém... Então, porquê abordar este tema? Porque é da civilidade fazer amor com nexo. Fazer sexo (des) (co) (nexo)?! É o que preferes? Isso é contigo!...
 
in Manual de Civilidade
 
Este livro pode ser adquirido através do e-mail:
 isabelferreira@net.sapo.pt
publicado por Isabel A. Ferreira às 14:45

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Domingo, 21 de Setembro de 2008

Entre Brumas e Penedios

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
Preâmbulo
 
Num ameno Outono, já distante, passeava na praia, à hora do entardecer.
Ao meu redor, as gaivotas vozeavam como se quisessem dizer-me algum segredo.
As águas mansas do mar afagavam ternamente os meus pés desnudados, enquanto o Sol derramava no horizonte a sua refulgência de cores róseas, afundando-se noutros mundos.
Foi então que, no impulso de um momento, fiz do mar um ser vivente, meu amigo, meu amante, companheiro e confidente, o qual, durante um certo tempo, necessariamente breve, idolatrei.
E entre brumas e penedios (1), com este ser fascinante vivi momentos de verdadeiro encantamento e ternura que, inevitavelmente, o meu imaginário transformou em realidade.
E foi envolto em indizíveis mistérios que este cântico se libertou das profundezas do meu ser, mergulhando no ventre das águas, onde gerei estas melodias...
 
(1) Embora o termo penedio não conste em nenhum dicionário da Língua Portuguesa, em nome de uma estética poética e de uma dualidade que se quis feminina (brumas) e masculina, os penedios nasceram aqui, neste livro, como um rochedo no mar…
 
 
 
***
 
 
Encantamento
 
 
Mar,
ouço os teus 
murmúrios
e apetece-me
seguir-te
até às profundezas
do teu ser,
e entre
as tuas criaturas
aquietar meus
desejos...
 
 
***
 
Ternura
 
As brumas
envolvem
as tuas vestes
de espuma,
e entre os
negros penedios
repousam
as gaivotas...
Já o Sol
envolve a manhã
ainda adormecida,
enquanto as tuas
águas
mansamente
acariciam o areal.
De súbito,
eu,
que não faço parte
da paisagem,
sou despertada
pelo mais suave
dos teus beijos...
 
 
***
 
 
Confidências
 
 
Finalmente
hoje
segredaste-me
os teus medos;
 apareceste-me
melancólico
distante 
pensativo...
As tuas águas
quedavam-se
tranquilas
como as águas de
um lago adormecido.
E nesta manhã,
assim tão de azul
vestida,
falaste-me
finalmente
dos teus desencantos...
 
***
Quando a Noite Vem
 
Docemente
o Sol
acaricia as
tuas águas
e
indolentemente
deixas-te
embalar
pela melodia
do vento
que canta;
e como um menino
indefeso e frágil
adormeces
quando a noite vem...
 
***
O Repouso da Flor
 
Rumores
longínquos
trazem-me
notícias das
tuas profundezas;
e lá
onde a luz
não penetra
e secretos mundos
se ocultam,
jaz uma flor
que entre o
silêncio do
teu seio
encontrou
a eternidade...
 
 
 
 
***
 
Mistério
 
Em teu ser navego
como um barco
perdido
embalada pelo
canto do teu
marulhar...
E é tanto o
encanto
que me tem cativa
que não sei
se sou sonho
ou se estou
a sonhar...
 
***
 
in Entre Brumas e Penedios (5 €)
 
 
Este livro pode ser adquirido através do e-mail:
 isabelferreira@net.sapo.pt
 
 
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 17:42

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Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008

Racismo?! Xenofobia?!...

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
Repara: no mundo das plantas não existe Racismo. Nem Xenofobia. Todas as espécies coexistem pacificamente... Civilizadamente...(Foto Isabel A. Ferreira: Bosque do Mosteiro de Oseira - Ourense)
 
 
Todos os homens nascem iguais e morrem mais iguais ainda
 
Sabes o que distingue Homem de “omem”? É a letra H, claro.
 
Se me falas do Homem, evidentemente, escrevo a palavra com H de Humanidade (humano); com H de Hombridade (digno); com H de Honestidade (íntegro); e com H de Honra (distinto), para mim, qualidades de quem é civilizado.
 
Se me vens falar de alguém que não é civilizado, isto é, de um “omem”, então escrevo a palavra com O de obscuro (arrevesado); com O de oblíquo (vesgo); com O de obsoleto (desusado); e com O de obtuso (ignorante).
 
Mas se das palavras passarmos às pessoas, podemos claramente distinguir quem é quem, pelo seu modo de ser e de estar na vida, isto é, pelos seus actos. Um Homem, porque é humano, digno, íntegro e distinto, é sempre um Homem, assim como um cão é sempre um cão, independentemente da sua raça ou da sua origem.
 
Um “omem”, porque é arrevesado, vesgo, desusado e ignorante, não é um Homem, até porque se dedica, entre muitas outras iniquidades, ao culto do Racismo e da Xenofobia, assim como um verme se dedica a um cadáver.
 
E o que é isso de Racismo?
 
Trata-se da ideia de que umas raças de homens são superiores a outras raças também de homens, por isso, ao longo da história da humanidade os que se julgam “superiores”, vêm escravizando, exterminando, discriminando ou simplesmente desprezando quem dizem ser “inferiores”.
 
E a Xenofobia, o que é?
 
É antipatizar com pessoas ou com coisas estrangeiras, como se cada um, na terra do outro, não fosse estrangeiro também.
 
Ai gostas de viajar? E és xenófobo?!...
 
Ora que eu saiba, apenas os excrementos humanos e a malvadez dos “omens” são coisas inferiores e execráveis, por isso, passíveis de desprezo.
 
E em que é que um negro, um amarelo, um vermelho ou um branco diferem de ti? Pretendes uma resposta? No meu pensar, diferem na Humanidade, na Hombridade, na Honestidade e na Honra que eles têm e tu não tens, caso sejas apenas um “omem”.
 
Todos os Homens nascem iguais e morrem mais iguais ainda. Todos nascem nus do ventre da mãe. Para a sepultura uns vão mais vestidos do que outros, porém, quando se transformam em ossos, como distinguir, a olho nu, a ossada de um branco da ossada de um negro?...
 
Repara: no mundo das plantas não existe Racismo. Nem Xenofobia. Todas as espécies coexistem pacificamente... Civilizadamente...
 
 
in Manual de Civilidade (12 €)
 
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isabelferreira@net.sapo.pt
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 15:32

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Sexta-feira, 12 de Setembro de 2008

O Menino Guerreiro

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
Ao amanhecer
 
 
Amanhece. Um amanhecer magnífico, no recanto desta floresta, o mais belo lugar da África. O Sol, redondo como uma bola, surge enorme, vermelho, da cor do fogo, e finge elevar-se lá nas alturas, muito devagarinho, reflectindo-se nas águas do rio grande, que dorme ainda.
 
Inesperadamente, ouve-se um cacarejar, que faz lembrar o toque de uma trombeta.
 
— Cocorococoooooó! Cocorococoooooó! Cocorococoooooó! Cocorococoooooó! Cocorococoooooó!
        
O cacarejo ecoa longe, onde quer que fique o longe. E a floresta desperta, e com ela todos os animais. E as águas do rio agitam-se, e os pássaros abrem as suas asas e voam sobre o rio. E o burburinho próprio da vida abraça a manhã. Um novo dia começa assim, alegremente, como deve ser. Sempre.
 
— Cocorococoooooó!...
 
É Trocopé, o galinho garnisé mais popular daquela serra que, do alto do seu poleiro, numa frondosa, ramalhosa e velha figueira, assim anuncia o amanhecer. Todos os dias. Mal o Sol se mostra, lá, naquele horizonte, longe, bordado com a ramagem de uma floresta, situada na outra margem do rio grande, Trocopé faz soar a sua trombeta, e não há criatura que resista a tanto cocorocó.
 
Por debaixo da velha figueira, vê-se uma palhota, construída com pequenos troncos de madeira e coberta de grandes folhas de palmeira. Quando Trocopé brada o seu último cocorocó, que se sabe que é o último porque prolonga indefinidamente o ó final, da palhota sai um menino da cor do café com leite, enrolado numa túnica vermelha, e diz, numa voz quase cantante:
 
— Bom-dia Trocopé! Bom-dia para ti e para todas as criaturas desta floresta.
 
É assim, todas as manhãs.
        
Trocopé logo que vê Não Sei, assim se chama o menino, desce da figueira aos saltinhos de garnisé, e vem saudá-lo no chão, de igual para igual. Não Sei ergue-o, beija-lhe a crista, coloca-o sobre o ombro, e vai até ao rio para um banho que serve também de diversão. E o Sol, agora amarelo, da cor da laranja, continua a fingir que se eleva lá nas alturas, deixando nas águas do rio um reflexo dourado. O Sol finge elevar-se, porque, na verdade, ele não se eleva, quem gira é a Terra, em torno dele. E o menino tenta agarrá-lo com as mãos, e o galinho, sem saber para que serve agarrar o Sol com as mãos, dá às asas e tenta ampará-lo entre as penas da cor da castanha.
 
Não Sei, apercebendo-se deste pequeno desacerto do seu pequeno amigo, diz-lhe, para que ele compreenda:
 
 — Se eu conseguisse agarrar um pedacinho de Sol com as minhas mãos, talvez pudesse transformar-me num mágico, e ajudar o meu povo a libertar-se do mal que o traz atormentado.
 
Uma superstição como outra qualquer, mas, na verdade, se alguém, algum dia conseguisse agarrar um raio do Sol com as suas próprias mãos, de certeza que esse alguém transformar-se-ia num ser muito especial.
 
Trocopé não compreende, mas cacareja, um cacarejar suave, como quem diz eu sei, eu sei
 
E é assim, todos os dias, ao amanhecer.
 
O menino repete este ritual do banho, nas águas tranquilas do rio, na esperança de que este seu pequeno desejo possa realizar-se um dia…
 
 
***
 
2
 
Na outra margem do rio
 
Não Sei é um menino misterioso. Tem um sorriso dos mais lindos que já se viram, mas raramente sorri, não porque não saiba sorrir, mas porque ainda não tem motivos para o fazer. Vive com Trocopé, naquele recanto da floresta, escondido, como se fosse um criminoso. Ele, que é apenas um menino! Não sabe a sua idade, mas não terá mais do que uns dez anos, vividos tão intensamente, como se fossem outros tantos. O seu nome também não o sabe, e a sua história dava para contar num livro, estando parte dela bem marcada na sua memória, porque nela ainda tudo é recente.
 
E esse tudo, que na verdade é pouco, começou na outra margem do rio, lá onde existe uma outra floresta, e onde o Sol, redondo como uma bola, também finge levantar-se, todas as manhãs, mas não brinca nas águas tranquilas do rio grande.
 
Não Sei teve pai e teve mãe como todos os meninos. Mas pouco se recorda deles. A última imagem que conseguiu reter da mãe, tinha apenas uns quatro anos, é a de uma mulher correndo desesperadamente, entre muitas outras mulheres e muitos outros meninos, numa estrada poeirenta.
 
E ela gritava:
— Corre! Corre! Corre!...
        
Ouvia-se o som assustador de metralhadoras a disparar, e passos cada vez mais próximos. E gritos ferozes.
 
Mas o menino era ainda muito pequeno, e não correu o suficiente. Foi ficando para trás, muito para trás, entre o mato que o escondia, quase por completo. E as mulheres correndo, lá mais adiante. E os outros meninos, mais crescidos, correndo também, atrás delas. Mas o nosso menino foi ficando sozinho, perdido, naquela estrada poeirenta. Quando já não se via ninguém, e os gritos e os disparos das armas deram lugar ao silêncio, o menino sentou-se no chão, entre os abetos, e esperou. O quê? Não sabia. Por ele viu passar uns homens com umas botas que lhe pareceram muito grandes. Corriam e gritavam. E tão apressados iam que nem repararam no menino, assustado e indefeso. Imóvel entre a folhagem. À espera. De quê? Como podia saber?
 
E veio a noite, e o menino adormeceu, no chão de folhas secas da floresta, entre os verdes abetos. E uma bela coruja, naquela noite, velou o seu sono.
 
No dia seguinte, o Sol fingiu levantar-se, naquela margem do rio, como todos os dias. E os pássaros voaram. E o menino despertou. A seu lado estava uma mulher muito, muito velha. Não era a sua mãe. E a mulher perguntou-lhe:
 
— Que fazes aqui, menino?
 
E o menino respondeu:
 
— Não sei.
— Quem és tu?
— Não sei.
— De quem és filho?
— Não sei.
— A que aldeia pertences?
—Não sei.
— Pelo menos sabes o teu nome? – perguntou a mulher velha, já muito irritada com tanto não sei.
 
— Não sei – respondeu o menino, uma vez mais, com toda a inocência do mundo, começando a chorar, um choro miudinho, sufocado, um choro de menino perdido, indefeso e só.
 
De facto, aquele menino de nada sabia. Não sabia a resposta para nenhuma daquelas perguntas. Andara sempre fugindo, com a mãe, de monte em monte. De floresta em floresta. Não se lembrava de nenhuma aldeia que fosse a sua. Nunca tinha ouvido a mãe chamá-lo por um nome, que fosse o seu. As palavras que mais ouvia eram corre, está calado, não chores, está quieto, não há, dorme... e aquele não sei, simplesmente seco, com que a mãe respondia às constantes perguntas que ele, querendo saber do mundo, fazia.
 
Além do mais, a sua mãe era mulher de poucas palavras, porque, na verdade, também pouco ou nada sabia do que estava a acontecer ao seu povo, por isso, pouco ou nada era também o que tinha para dizer. E o menino lembrava-se muito bem e apenas do que ela lhe gritava, muito constantemente: Corre! Corre! Corre!
 
Como a mulher velha também não sabia que Não Sei não era nome de gente, o menino ficou a chamar-se assim, por responder não sei, quando lhe perguntou o nome.
 
A mulher velha vivia só. O menino também estava só, e ela levou-o para a sua aldeia, e obrigou-o a trabalhar para ela. Na aldeia todos lhe chamavam Não Sei. E os dias foram passando, até que passaram três anos e, uma noite, quando a aldeia foi atacada e incendiada por uns homens mascarados, Não Sei fugiu, no meio da confusão e dos gritos.
 
E correu, correu muito, a noite toda, sem parar, até chegar a uma cidade grande, que tinha automóveis e casas a sério, altas, com muitas janelas, como ele nunca tinha visto.
 
 
Amanhecia, e a cidade despertava para um dia igual a todos os dias. Ali chegado, Não Sei escondeu-se numa casa grande, abandonada, cheia de pequenos buracos nas paredes.
 
 
in O Menino Guerreiro (10 €)
 
 
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publicado por Isabel A. Ferreira às 19:38

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Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008

Era uma vez... Un menino sem vez...

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
— Que me dizes Feijãozinho? Começo esta história por Era uma vez...?
...
 
A pergunta ficou sem resposta, porque, na verdade, Feijãozinho não existia. Era apenas alguém inventado por Anjelito, quando este teve de se refugiar entre os ramos de um belo, frondoso e florido jacarandá, o único que havia naquele bosque, no dia em que no vale, mais abaixo, a sua aldeia fora visitada, logo pela manhã, por uns homens feios, rudes e maus, de cujas mãos Anjelito vira sair um fogo que tudo destruía.
 
A mãe ainda teve tempo de lhe gritar:
 
— Foge Anjelito! Corre para a montanha. Lá estarás a salvo do fogo! Logo que possa, irei ter contigo. Foge! Corre... Refugia-te no bosque...
 
Imaginem... a salvo do fogo! Anjelito bem sabia o que isso era. Um dia queimara-se, quando brincava ao redor de uma fogueira e, durante muito tempo, não pôde utilizar a mão direita. E as dores foram tantas!
 
A mãe ensinou-lhe então, na altura, o valor das mãos. Disse-lhe ela:
 
— As mãos servem para plantar e colher o arroz que nos alimenta; servem para construir a casa que nos abriga do Sol e da chuva; servem para fabricar as roupas com que cobrimos o nosso corpo, e os utensílios de que precisamos para o nosso dia-a-dia; e servem também para afagar os meninos bons e inocentes como tu. Por isso, devemos cuidar bem das nossas mãos e não fazer mau uso delas.
 
Não fazer mau uso delas! Não fazer mau uso delas! Este ensinamento, mais do que todos os outros, ficara-lhe no ouvido, a soar como um badalo de sino. Agora via sair fogo das mãos daqueles homens! E isso, Anjelito não entendia! Então, retornava à sua dúvida:
 
— Não, Feijãozinho, desta vez não posso começar esta história por Era uma vez...
 
Anjelito lá teria a sua razão, mas não a contou a Feijãozinho, que nada lhe perguntou, por ser apenas alguém inventado, ou talvez porque lhe fosse indiferente o modo como as histórias começam.
 
Desde que o menino se refugiara no jacarandá, não havia feito outra coisa senão repetir as histórias que a sua mãe costumava contar-lhe, não só para o distrair, como também para lhe proporcionar um naco de magia, pois na aldeia não havia escola, nem livros, nem televisão, nem rádio, nem cinema, nem circo... Nada que pudesse divertir meninos. Apenas um quotidiano feito de uma penosa existência.
 
Anjelito, apesar de ter somente oito anos, ajudava a mãe na árdua tarefa de plantar o arroz, a base da alimentação das gentes daquela aldeia. E era mais nesses momentos que, no intuito de manter a criança alheada da dura realidade, a mãe lhe contava aquelas histórias com começo, mas sem meio e sem fim.
 
Foi assim.
Um dia, era a mãe ainda uma menina, apareceu na aldeia uma senhora, vestida de branco e, na cabeça, trazia um chapelinho com uma cruz vermelha. Vinha vacinar as crianças. Dissera. Era preciso, por causa das doenças. Mas ai! Tinha de se levar uma pica. A mãe de Anjelito ainda se lembrava muito bem daquele dia.
 
— Não dói nada – dissera a senhora vestida de branco.
 
E enquanto vacinava as crianças, e para que estivessem distraídas e a picadinha fosse esquecida, a senhora, que parecia uma princesa, embora nunca ninguém tivesse visto uma princesa, ia contando histórias como esta:
 
— Era uma vez uma menina muito linda que foi levar uma merendinha à casa da sua avozinha, que morava do outro lado da floresta. E a menina lá ia saltitando como um passarinho e cantando cantigas às flores do caminho. De repente, apareceu-lhe um lobo...
 
Ou então esta outra:
 
— Era uma vez uma pata choca, que chocou muitos ovinhos. Ora quando teve de ser, dos ovinhos começaram a sair, um a um, uns patinhos remeladinhos, mas muito bonitos e a fazer quá-quá. Entre eles, estava um igual a todos os outros, excepto na cor – era todo preto – e, por causa disso, foi logo ali considerado muito feio e rejeitado pelo Pai Pato, que o pôs lago fora, sem dó nem piedade. Pobre patinho!...
 
E eram estas e muitas outras histórias que a mãe de Anjelito lhe contava, porém, nunca as acabava. Não sabia. Não se lembrava. Por vezes, confundia-se e baralhava todas as histórias. Já passara tanto tempo! E elas – as histórias – foram tantas quantas as crianças que se vacinaram, ou seja, muitas, de tal modo que até dava para encher duas ou três salas de aula, se na aldeia houvesse uma escola.
 
Ainda assim, o menino gostava de ouvir a mãe contar:
 
— Era uma vez... uma bruxa muito má que se punha diante do espelho e perguntava: «Diz-me espelho meu, há no mundo, alguém mais bonita do que eu»?... Ah! Não me lembro do resto da história, Anjelito, mas penso que havia uma menina mais bonita do que a bruxa e então esta fez uma maldade qualquer e transformou a menina num sapo... Ou não seria num sapo?...
 
— Não faz mal que não te lembres, mãe. Do que eu gosto mesmo é de ouvir-te dizer: Era uma vez... Era uma vez...
 
Não fazia mesmo qualquer mal. O que interessava, naqueles momentos, era o som das palavras. Era a voz da sua mãe. Era a entoação que ela dava àquele era uma vez..., que o fazia entrar num mundo fabuloso, mágico, cheio de personagens, às quais a sua fértil imaginação de criança ia dando contornos e colorido.
 
Isto quebrava a monotonia das horas que passava a enterrar o arrozeiro naquelas águas, molhado quase até à cintura. Porque era preciso.
 
Cabia às mulheres e às crianças mais crescidas da aldeia plantar o arroz, cultivar os campos e cuidar da horta, do pomar e dos animais, porque os homens, ninguém sabia aonde, lutavam contra uns outros homens que invadiram a sua terra para lhes tirar a liberdade e fazê-los seus fantoches, impondo leis desumanas, através do terror.
 
Era o que a mãe lhe dizia quando o menino perguntava onde estava o pai.
 
Todos viviam muito pobremente. Trabalhavam para o sustento do dia-a-dia. O que comiam era da mão para a boca. Ali nada era armazenado, à excepção do arroz e do milho que cada um semeava, colhia e guardava em lugar seco e seguro, porque nem todos os meses eram meses de cultivo. Também não havia lojas. Nem hospitais. Nem ruas. Só casas feitas de barro e cobertas de colmo, dispostas desordenadamente.
 
Na aldeia ninguém sabia ler. Nem escrever. Ninguém conhecia os números. Quando ficavam doentes, quem tinha cura, curava-se com ervas que colhiam no bosque. Quem não tinha cura era levado numa nuvem branca, por um anjo vestido de luz, para um dos muitos jardins do paraíso, que todos na aldeia sabiam existir lá, junto às estrelas.
 
Esta era a crença daquele povo.
 
Às vezes, vinham umas senhoras, vestidas de branco, que usavam na cabeça um chapelinho com uma cruz vermelha, e pareciam princesas, embora ninguém soubesse como eram as princesas, e traziam comida e remédios, e contavam histórias de encantar, onde fadas boas, gnomos, princesas e príncipes, reis e rainhas, bruxas más, lobos e raposas, e muitas outras personagens povoavam a imaginação das crianças, permitindo um pouco de sonho e de fantasia ao seu viver.
 
A mãe de Anjelito contara-lhe um dia que o seu maior desgosto era não saber ler, nem escrever, nem fazer contas como aquelas senhoras que vinham de fora, mostrando-lhe que havia outro mundo, do qual pouco ou nada sabia. Desse mundo ela guardava, quase religiosamente, um livro muito bonito, que lhe dera uma dessas senhoras.
 
Eram algumas folhas de papel cheias de figuras desenhadas, onde havia uns homenzinhos pequeninos ao redor de uma menina muito linda, numa floresta, e uma casinha também pequenina, onde mal cabia a menina, pois tudo era à medida dos homenzinhos... Havia também um belo jovem que vinha a cavalo, enfeitado com penachos de todas as cores. E no livro estavam escritas palavras, mas essas não as sabia ela decifrar.
 
Nesse dia, a mãe de Anjelito mostrara-lhe aquela relíquia, a única que tinha, e a qual guardava, desde a infância, numa caixa de lata, rectangular e colorida, enfeitada de flores, e que uma outra senhora, vestida de branco, lhe dera, cheiinha de bolachas com recheio de chocolate.
 
— Vê como é lindo, o livro! Se soubéssemos ler, poderíamos viver esta história, juntamente com estes homenzinhos, esta menina e este jovem, que deve ser um príncipe... Ah! Se a vida me tivesse dado oportunidade! Talvez pudesse ser como a menina desta história, e ter um final feliz! Mas eu não tive vez, Anjelito, e temo que também tu não venhas a ter vez, por isso, a nossa história poderá não ter um fim feliz!
 
 
Este livro foi ilustrado por alunos do 4º ano, da Escola EB1 Nº 2 da Póvoa de Varzim (10 €)
 
Pode ser adquirido através do e-mail:
isabelferreira@net.sapo.pt
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 15:09

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Terça-feira, 9 de Setembro de 2008

Pastor de uma só ovelha no meu País

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
 
1
 
 
Tudo começou naquele dia em que Pepino despertou para o mundo, enquanto observava alguns meninos que, mais além, brincavam, corriam, saltavam, riam. Como eram felizes! Estavam no recreio da escola. Tinham amigos e, com certeza, uma família.
 
Sentado à soleira da porta do seu barraco, Pepino interrogava-se:
 
— Porquê será diferente comigo? Não tenho com quem brincar. Ninguém me leva à escola. O que estará errado em mim?
 
Depois de muito reflectir, Pepino chegou à conclusão de que talvez não fosse tão bonito como os outros meninos, nem tão esperto, nem tão inteligente, por isso, era ignorado. E ignorante. Pensava ele.
 
Contudo, não me parece que Pepino seja ignorante. Ele apenas não sabe das coisas. E se não vai à escola, como pode aprender? Seria necessário resolver este seu problema. É então que Mindinho surge na sua vida, de uma forma inesperada, que não estou autorizada a contar.
 
Mindinho sorriu-lhe, e Pepino garantiu-me que esse foi o primeiro sorriso da sua vida. Que sensação maravilhosa! Um sorriso só para ele!
 
Pepino tinha agora um amigo, assim já podia, pelo menos, conversar. E não havia tempo a perder. Aproveitando a circunstância de não estar mais só, Pepino abriu as portas do seu limitado mundo, até então fechadas, e saiu a correr por aí, de mãos dadas com Mindinho, e correram, correram durante um tempo sem tempo, até chegar a um lugar muito bonito, cheio de árvores, montes, prados e vales. Cansados de tanto correr, resolveram sentar-se no cimo de um pequeno outeiro.
 
— Que lugar estranho este! Tão silencioso! Tão misterioso! – observou Pepino.
 
— Não, Pepino. Não há mistério nenhum. É um lugar como tantos outros. Tu é que estás habituado a ficar sentado à soleira da porta do teu barraco, a ver o mundo passar e não te dás conta da existência de outros lugares. Para ti, o mundo é a tua rua e o pouco que vês diante dela… – disse Mindinho.
 
Rua? Na verdade Pepino não morava bem numa rua. Não havia mais casas, além do seu barraco, noutra altura um casebre, o único que, há uns dois Invernos atrás, resistiu a um temporal diluviano, quase de fim-de-mundo.
 
O restante casario transformou-se em ruínas, e a vizinhança procurou outras paragens, ali ficando apenas Pepino e a sua mãe, que trabalhava como mulher-a-dias, nas casas das senhoras da cidade. E quase não a via, apenas já muito à noitinha, quando ela chegava com um saco de plástico, onde trazia comida. Vinha sempre cansada. Era mulher de poucas falas. Raramente respondia às perguntas de Pepino. Este sabia que o pai estava preso há uns três anos, por causa de ter roubado um... Pepino já nem se lembrava o quê. E da sua vida nada mais sabia.
 
Eram muito pobres. Não tinham água, nem electricidade, e Pepino nem sabia que havia televisão ou computadores. O seu mundo limitava-se à soleira da porta do seu barraco, a ver os meninos a brincarem no recreio de uma escola, que existia mais adiante, e além, do outro lado da colina, Pepino observava a cidade das mil luzinhas, onde nunca tinha estado. Imaginava-a apenas, por entre o casario que via ao longe, e à noite, através das tais mil luzinhas. Seriam mais. Mas Pepino não sabia contar. Olhava para elas e acreditava que havia dois céus: um lá em cima, coberto de estrelas, e outro cá em baixo, cheio de luzinhas.
 
Ah! Como é bom ter um amigo! Era mesmo alguém como Mindinho que Pepino esperava encontrar um dia na sua vida.
 
Naquela manhã:
 
— Ora, não vais passar o teu tempo a elogiar-me, pois não Pepino? Tenho uma ideia. Uma vez que existo, vou mostrar-te o mundo para além da tua rua. Farei nascer asas no teu pensamento e elas levar-te-ão longe... muito longe... até ao limite do desconhecido... Mas... o que tens tu? Não ficaste contente com a minha ideia!
 
— Não é isso, Mindinho. Fiquei muito contente. Mas sabes, enquanto falavas em levar-me a conhecer o mundo para além da minha rua, eu pensava...
 
— Pensavas em quê, Pepino?
 
— A única coisa que quero na vida é ser pastor, nem que seja de uma só ovelha, no meu país. Ah! Se me dessem essa oportunidade! Teria uma ovelha só minha. Seria importante. Compreendes-me?
 
— Sim, Pepino. Mas as pessoas ainda não descobriram que uma simples ovelha faria de ti um pastor importante, por isso, terás de esperar. Entretanto, precisas de conhecer o mundo. Depois disso, voltaremos a este lugar e então talvez possas ter a ovelha que tanto anseias, se não mudares de ideia.
 
E foi assim que a história fantástica de Pepino começou.
 
Do alto daquele monte, levando consigo o sonho de um dia a ele voltar para ser pastor, Pepino partiu na companhia de Mindinho, em busca de um universo desconhecido. Afinal, tinham o dia inteiro para isso. A mãe só regressaria à noite, e eles estariam de volta antes do anoitecer.
 
Partiram, encavalitados numa nuvem que por ali passava, a qual os acompanhou sempre, nas muitas viagens que fizeram.
 
 
in  A História Fantástica de Pepino
 
Este livro pode ser adquirido através do e-mail:
 isabelferreira@net.sapo.pt
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 10:47

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Segunda-feira, 8 de Setembro de 2008

Trilogia de Contos da a Infância

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
 
 
Um dia, decidi escrever uma trilogia de contos que dediquei a meninos que existiram na vida real e de comum tiveram uma Infância Perdida.
 
A primeira história intitulei-a de A História Fantástica de Pepino, porque realmente fantástica foi a vida na qual me baseei, daquele menino de rua que um dia, lá muito atrás, ao início de uma tarde de Verão, encontrei a deambular pela Avenida de Roma, em Lisboa. O menino aproximou-se de mim. Tinha fome. Disse-me. Precisava de comprimidos para dormir, porque, quando dormia, não precisava de comer. Pediu-me para ir comprá-los à farmácia.
 
O pai estava preso, e a mãe internada no hospital, com uma doença grave. Vivia sozinho há algumas semanas, num dos bairros de lata que circundavam a cidade. Passei toda aquela tarde com ele, num snack-bar, onde, enquanto comeu o que quis, me contou a sua história, cheia de sonhos que nunca viria a realizar…
 
À segunda história dei o título de Era uma vez… Um menino sem vez... Esta história cresceu em mim, depois de ter visto na televisão, em Setembro de 1999, a fuga de um grupo de timorenses para as montanhas, por ocasião do grande massacre que então ocorreu em Timor. Nesse grupo, ia um menino que caiu num buraco, e aquela imagem, que passou na televisão vezes sem conta, impressionou-me. E imaginei, então, como seria a vida de um menino timorense, num cenário de invasão de território. Um menino a quem os homens não deram vez. Nem todos os meninos têm vidas alegres, como vós, nem todas as histórias acabam bem…
 
O Anjelito de …Um menino sem vez… gostava de ouvir a sua mãe contar-lhe histórias, como qualquer menino, enquanto trabalhava nos arrozais. Um dia vieram os invasores e a sua vida mudou. Foi então que apareceu Feijãozinho…
 
A terceira história intitula-se O Menino Guerreiro. Baseia-se na vida real de um pequeno soldado da Serra Leoa (um minúsculo país africano, banhado pelo Oceano Atlântico) que tive oportunidade de ver numa impressionante reportagem na televisão, há um par de anos atrás. O repórter, africano, correu um sério risco de vida para a realizar. Fez de conta que era um dos «maus» e foi filmando todos os «feitos» desses homens maus, para depois dar a conhecer ao mundo como vivem e sofrem os meninos guerreiros.
 
Porque penso que a infância deve ser vivida sem fome, sem invasões, sem violência, sem guerras; porque há crianças que perdem a infância mesmo antes de a terem vivido, com estas três histórias pretendo dizer a todos os Pepinos, a todos os Anjelitos e a todos os Meninos Guerreiros que vivem na sombra, à margem da humanidade, simplesmente isto: Vós sois os meus verdadeiros heróis, e eu não vos esqueci.
 
 
Estes livros podem ser adquiridos através do e-mail: 
isabelferreira@net.sapo.pt
 
 
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 11:15

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Terça-feira, 2 de Setembro de 2008

Reflexão ao redor da Vida

 

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2008
 
 
 
* A vida tem uma história muito comprida, mas cada indivíduo tem um começo muito preciso: o momento da sua concepção. Se um óvulo fecundado não é por si só um ser humano, ele não poderia tornar-se um, pois nada é acrescentado a ele. (…) Aceitar o facto de que, depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a sua concepção até à sua velhice não é uma disputa metafísica. É uma simples evidência experimental. No princípio do ser há uma mensagem, essa mensagem contém a vida e essa mensagem é uma vida humana. (Jerôme Lejeune, médico e investigador francês)
 
 
A origem de um organismo biológico coincide com o início do seu ciclo vital. Para ser quem hoje sou, já fui zigoto, mórula, blástula, pré-embrião, embrião, feto, fruto da união de um ovócito humano e de um espermatozóide também humano, isto é, o que geralmente a mulher chama de um filho. Permitiram que eu me desenvolvesse dentro de um útero de mulher e deram-me o direito de nascer. Mas mais do que isso, deram-me a possibilidade de chamar Mãe ePai aos seres da minha origem. Nasci. Fui bebé, criança, adolescente, jovem, mulher adulta e sigo envelhecendo…
 
* Não darei veneno a ninguém, mesmo que mo peça, nem lhe sugerirei essa possibilidade. (Juramento de Hipócrates, médico da antiga Grécia, Pai da Medicina)
 
Se na minha fase embrionária eu não fosse já um ser vivo humano, o que seria então? Poderia ter nascido rã?
 
* O direito à vida não deveria comportar discussões nem ser objecto de polémicas, pois representa o mais sagrado direito do homem: o direito de existir. Todos os demais direitos, direito à saúde, direito à propriedade, direito a ter e criar filhos, direito de se expressar etc., são decorrentes do direito que o homem tem de nascer. (Prof. Humberto L. Vieira)
 
Posso, serenamente, chamar Mãe à minha Mãe, porque ela nunca me considerou outra coisa, senão filha, desde o momento em que soube da sua gravidez. Ela não disse: Tenho dentro de mim um monte indiferenciado de células, um fragmento de tecido, que está a provocar-me enjoos. Não! Dentro do seu corpo estava EU. Sua filha. Aquele monte indiferenciado de células continha tudo o que hoje sou.
 
* Na realidade, viver como um homem significa escolher um objectivo  e dirigir-se para ele com toda a conduta, pois não ordenar a vida a um fim é sinal de grande estupidez. (Aristóteles, filósofo grego da Antiguidade)
 
Devo ficar agradecida à minha Mãe, por não me considerar um rebotalho e não me desmanchar, enquanto feto, por um qualquer motivo social? Não, não devo agradecer-lhe nada. Porque ela é uma mulher, e uma mulher sabe que não é dona do seu corpo quando engravida, uma vez que não foi ela, mas a Natureza que escolheu um corpo de mulher para gerar Vida Humana. Poderia ter escolhido a corola de uma flor. Mas optou por um útero de mulher – um santuário de vida, não um lugar de morte.
 
* Cada criança, ao nascer, traz-nos a mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança no homem. (Tagore, escritor, poeta e músico indiano)
 
As bolotas não são carvalhos, logo um ovócito de mulher fecundado por um espermatozóide de um homem também não é um ser humano. O que acontece, então? As bolotas de um carvalho, quando se desenvolvem, transformam-se num lagarto verde, e a larva desse lagarto verde, por sua vez, transforma-se num belo carvalho, quando sai do seu casulo. O mesmo se passará com o ovócito fecundado da mulher? Se não é um ser humano nos seus primórdios, será um girino? Então poderá transformar-se numa rã, quando nascer. Eis a lógica dos que rejeitam o ciclo vital.
 
* Se possuímos a liberdade de destruir a vida humana e negar-lhe a dignidade numa etapa, por que não em outras? Se, pelo contrário, a criança por nascer tem direitos pessoais ainda antes de ter nascido, e se esses direitos têm implicações públicas, então o ser humano tem o direito à protecção ainda quando não possa proteger-se a si mesmo. (F. H. Henry, teólogo baptista dos E.U.A.)
 
Uma criança nunca será um intruso no ventre materno, ainda que essa criança seja gerada à margem da vontade de quem a fabrica. Onde mais, senão no útero da mulher um ser humano poderá desenvolver-se? O útero é o lugar, por excelência, de um feto. O útero pertence ao nasciturno. Uma mulher não precisa do útero para nada, se não quer procriar. O útero não pertence à mulher. Um útero de mulher é o lugar que a Natureza escolheu para gerar seres humanos. Pertence ao mundo.
 
* Só uma vida dedicada aos outros merece ser vivida. (Albert Einstein, físico alemão)
 
Quando se fala de um feto ou de um embrião, na verdade, está a falar-se de um filho. Ou não será um filho? Se, por acaso, permitirem que esse feto ou esse embrião se desenvolva e nasça, não chamarão filho a esse ser que o corpo da mulher dá ao mundo?
 
* Os maiores inimigos da liberdade não são aqueles que a oprimem, mas sim aqueles que a sujam. (Vincenzo Giobertí, filósofo e estadista italiano)
 
 Às três ou quatro semanas, o ser que vive dentro do útero materno dá início aos batimentos cardíacos. Às sete semanas já existem respostas reflexas à dor e à pressão. Às oito semanas registam-se ondas electroencefalográficas. Às dez semanasjá possui sistema nervoso central, já é sensível à dor, tem movimentos espontâneos e um coraçãozinho (lugar onde se acolhem as emoções) a bater…
 
*Se uma mulher expulsa o feto do seu ventre com drogas, isso é um crime inexplicável. Por Deus, a vida deve continuar. (João Calvino, teólogo e reformador protestante francês)
 
Em tempos recuados, quando grassava uma ignorância imensa, os homens consideravam que as mulheres não tinham alma; outros tempos houve, quando a ignorância tinha uma dimensão ainda mais desmedida, os homens diziam que os escravos (negros ou brancos) não tinham alma. Hoje, em pleno século XXI, da era cristã, alguns homens dizem que um feto ou um embrião, alojado num útero de mulher, ainda não é vida humana. Então o que será? Vida extraterrestre?
 
* Certamente, no momento da concepção, a ordem da natureza estabelecida por Deus, deve continuar. (Martinho Lutero, padre alemão, reformador da Igreja Católica)
 
 A evolução de uma vida humana processa-se como numa pintura: primeiro, o pintor esboça uma figura na tela; depois completa-a com detalhes; por fim, procede aos retoques finais. No primeiro trimestre, a Natureza faz um esboço do ser; no segundo trimestre, completa-o com detalhes; no terceiro trimestre, procede aos retoques finais. E o ser esboçado está lá, desde o início…
 
* O aborto é o desprezo pela vida humana no seu mais alto grau. (Julián Marías, filósofo espanhol)
Se um homem não sabe como e quando a sua vida começou, ignora algo que é do homem e da mulher, única união capaz de realizar uma vida humana. E, ao desprezar o seu começo, esse homem nega a sua própria natureza humana.
 
* Parece-me tão claro como o dia que o aborto é um crime. (Mahatma Ghandi, político e líder pacifista indiano)
 
O aborto encerra um princípio nazista: há seres que são dignos de viver. Há outros seres que, por não lhes reconhecerem a dignidade de viver, são votados ao extermínio.
 
* A destruição do embrião no útero materno é uma violação ao direito à vida que Deus deu ao nascituro... e isto não é mais que um assassinato. (Dietrich Bonhoeffer, teólogo protestante, enforcado pelos nazistas em 1945)
 
Numa discussão sobre o aborto, o que está em causa é o feto, não a mulher. Quem vai ser morto é o feto. Não a mulher. E se a mulher morre ou fica estropiada na prática desse aborto, a opção é dela, pois há outros caminhos. O feto não pede para ser gerado. Não pede para que o matem. Não lhe dão nenhuma outra opção. Não há lei alguma queobriguea mulhera esconder-se num vão de uma qualquer escada, para, clandestinamente, matar um filho. E se o faz, essa clandestinidade não se combate com a descriminalização de um acto que conduz à sua liberalização, por simples vontade da mulher, até às 10 semanas de vida do seu próprio filho. A mulher tem, sim, o dever de aprender a evitar uma gravidez, e se a prevenção, por um qualquer motivo, falha, deve responsabilizar-se pelo seu acto, tanto quanto o homem. Porque a mulher não faz um filho sozinha, e nem um nem outro, quando o fazem, estão propriamente pendurados numa forca. O aborto não é uma questão religiosa nem política. É tão-somente uma questão de Humanidade, de Consciência, de Valores, de Princípios, de Bom-senso, de Lucidez, de Educação, de Instrução, de Cultura, de Civilização, de Sensibilidade…
 
* Só é útil o conhecimento que nos torna melhores. (Sócrates, filósofo grego da Antiguidade).
 
É tão legítimo matar um feto humano, que dizem não ter consciência de si, como matar um ser que nasce deficiente mental profundo, cego, surdo, mudo, que também não tem consciência de si. Abortar, nos dias de hoje,é uma das grandes vergonhas do mundo. Passada uma eternidade, desde os primórdios do homem na Terra, ele aprendeu que as mulheres e os negros têm alma, mas ainda não sabe que a Vida não se discute: defende-se e preserva-se instintivamente. Há perguntas que não se fazem, porque são desprovidas de sentido humano. A vida é uma dádiva. Um milagre. Não um castigo.
 
* Não morreram, partiram primeiro. (Ditado inglês).
 
Subitamente, os nasciturnos são surpreendidos pela morte, no lugar onde deviam estar supostamente protegidos – no útero materno. Mas eles não morrem. Partem primeiro, entre o silêncio e a escuridão desse útero. E ninguém vê os seus espasmos, os seus esgares de dor, os seus olhos imensos, perplexos, diante dos ferros prestes a desmembrá-los, ou dos venenos prontos a tingi-los de negro e a reduzi-los a nada mais do que seres inertes, mirrados, sem vida…
 
É bem verdade que não sabemos quantos desses nasciturnos poderiam ser os novos Neros, os novos Hitlers, os novos Estalines, os novos Saddams, os novos Bin Ladens do mundo. Contudo, quantos, de entre eles, plantariam árvores e flores na Terra!

Isabl A. Ferreira
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 15:25

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