Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
(Mosteiro de Oseira - Ourense)
Aconteceu há mais de dois mil anos.
Um Homem foi levado ao cimo de uma colina para ser crucificado entre dois outros homens. Assim exigia a lei daquele tempo. Entre uma multidão de inimigos políticos e descrentes furiosos uns, seguidores e amigos, outros, aquele Homem seguia por ruas estreitas e tortuosas, carregando aos ombros uma pesada cruz de madeira.
Caminhava em silêncio. Sem um lamento. E, quando, já no alto da cruz, Longuinhos, um dos soldados romanos encarregados de o crucificar, atravessou o seu corpo com uma lança, ele ainda teve força para dizer: «Pai, perdoai-os. Eles não sabem o que fazem».
Quem seria aquele ser possuidor de tão grande capacidade de perdoar? Um Deus progressivamente humanizado? Ou um Homem que, pela sua inteligência e poder de sedução foi divinizado por um povo que nele viu o libertador que esperava há longo tempo?
Jesus Cristo é, sem dúvida, a personagem que mais controvérsia tem levantado no estudo da História da Humanidade. Arqueólogos, Orientalistas, Filósofos, Cientistas e outros estudiosos têm procurado, por todos os meios e mediante um estudo comparado, meticuloso e crítico, das fontes que dele falam, dar uma explicação lógica, racional e científica para a existência histórica de Jesus, que, segundo uns, existiu na realidade. Para outros, não passa de um mito.
Não está no âmbito do esboço que me propus fazer da personalidade humana de Cristo, discutir as diversas e divergentes opiniões dos estudiosos acerca da historicidade de Jesus. Deixarei aqui apenas alguns pontos para uma reflexão: o Homem que mais ou menos num período de dois anos fez e disse coisas na Palestina que alteraram profundamente o curso da história da Humanidade poderá ser somente uma personagem fruto da imaginação de um povo? Aqueles que se recusaram a aceitar a sua existência história, negam-no, talvez, porque a tendência dos cépticos é negar tudo aquilo que transcende a sua compreensão e vai além do seu raciocínio.
No entanto, entre os que acreditam, as interpretações acerca dos actos humanos de Jesus, variam consideravelmente.
Para Reimarus, distinto orientalista e professor de línguas orientais, Cristo foi um agitador político que procurou suscitar os judeus para uma revolta contra os romanos. Falhando a revolta, com a sua morte, os seus adeptos destruíram o objectivo do Mestre, apresentando-o como um renovador espiritual e religioso.
O filosofismo francês, mais radical, chama Cristo “vaidoso” e a São Paulo “energúmeno e insensato”.
Harnack (da Escola Liberal) considera Jesus um génio que soube transmitir uma mensagem à Humanidade nunca apresentada por outrem.
E. Renan (arqueólogo e orientalista dotado de uma grande imaginação) observou: «Toda essa história que à distância parece flutuar nas nuvens do mundo irreal, tomou um corpo e uma solidez que me espantaram. O acordo impressionante dos textos com os lugares; a maravilhosa harmonia do ideal evangélico com a paisagem que lhe serviu de quadro foram para mim uma revelação».
Sobre a sua interpretação pessoal de Cristo, Renan diz: «Uns, querem fazer de Jesus um sábio, outros, um filósofo, outros ainda, um patriota, outros, um Homem de bondade, outros, um naturalista, outros, um santo. Mas não foi nada disso. Foi um sedutor, não no sentido pejorativo da palavra, mas no bom sentido. Jesus impunha-se às multidões e às pessoas pela sua bondade; sabia convencer, sabia consolar; tinha uma capacidade de seduzir tal que as pessoas aderiam a ele com uma facilidade espantosa».
A Escola Escatológica, por sua vez, pretendeu enraizar a pessoa de Cristo no seu tempo e no seu meio. Quais seriam os ideais judaicos na sua época? No tempo de Jesus o povo estava desejoso de se libertar do jugo romano, e aguardava com ansiedade, uma pessoa extraordinária, um grande mestre, um chefe político e militar que, um dia havia de libertá-lo e trazer-lhe a paz. Os seguidores desta Escola consideram Cristo um visionário. Um fanático que tentou levar a cabo uma revolta contra os romanos.
(Igreja Matriz de Ovar)
ECCE HOMO
ALGUNS ASPECTOS DA PERSONALIDADE HUMANA DE CRISTO
Jesus nasceu em Belém de Judá, na Palestina. Viveu na Galileia e em Nazaré. Mas foi nas margens do Lago de Tiberíades, lago de águas doces e com pesca abundante, que Jesus passou grande parte da sua vida.
Seu pai adoptivo, José, era carpinteiro, e supõe-se que Cristo seguiu essa profissão como era costume da época. Mas desde muito cedo, a sua inteligência, a sua sede de saber o distinguiram de entre os outros homens. Era tratado com deferência concedida aos escribas e como tal era consultado, e tratado por rabi ou professor. Supõe-se igualmente que Jesus passou grande parte da sua vida a estudar a religião do seu povo, para melhor compreender a sua sobrevivência e os seus anseios.
Jesus era um Homem solitário que passava longas horas em estreito convívio com a Natureza, orando e em contemplação. Essa solidão fez dele um poeta que olhava a vida e a Natureza com profundo entendimento e doce simpatia. Era um Homem que sabia ouvir e transmitir a palavra de Deus entre o ruído e o tumulto das multidões. Aproveitava os momentos solitários para reflectir sobre os graves problemas que afligiam o seu povo.
O Nazareno possuía um magnetismo capaz de controlar multidões com uma só palavra. O seu poder sobre os poderosos contrastava com uma igual ternura pelos menos fortes e desamparados, pelas vítimas de desgraças ou vícios ou injustiças. E também pelas mulheres e crianças. Era um Homem profundamente entendido das fraquezas humanas. Irresistível. De uma simplicidade e incontestável integridade. Um Homem que se entregou totalmente à causa da Humanidade.
Era um excelente orador. Em debate, ele mostrava constantemente a sua habilidade em penetrar no âmago dos problemas, e os seus opositores, desde cedo, se aperceberam de que não tinham como argumentar com ele. O seu poder e conhecimento, no entanto, tornavam-no infinitamente paciente com os mais ignorantes. Chamavam-no o amigo dos pecadores, e ninguém melhor do que os pecadores conhecia a qualidade da sua amizade.
Era um meigo Nazareno, a distribuir perdões. Era doçura que afagava os pequeninos. Era bondade que perdoava a mulher adúltera. Contudo, quando confrontado com a hipocrisia, com a injustiça ou com a opressão a sua indignação era imensa.
Jesus é tido como a personagem mais exigente da História em matéria de adesão a princípios doutrinários. Dizia ele: «Ninguém pode servir a dois senhores. Quem crê em mim tem a vida eterna. Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não anda nas trevas».
Cristo foi sempre totalmente ele mesmo. Sempre pronto, porque agiu sempre com toda a sua consciência luminosa e com a sua vontade enérgica e total. Tinha a extraordinária lucidez de quem sabe perfeitamente o que pretende e uma firmeza inquebrantável de vontade de quem possui tranquila mas plena consciência da sua autoridade. E estes são os dois traços mais distintos da natureza humana de Jesus.
O Nazareno cresceu no seio da religião judaica e experimentou as esperanças e aspirações do seu povo, partilhando com ele as suas crenças no reino de um Deus único e universal, e na vinda de um Messias. Rejeitou firmemente a política económica, a propaganda, a intriga e a violência pelos quais o poder político de Roma era exercido na Palestina.
Assim era Jesus de Nazaré.
Assim era o Homem que por ter pregado o ideal de uma nova vida, baseada no princípio da Igualdade, da Fraternidade e da Liberdade entre todos os homens, ideal que punha em perigo o imperialismo romano e o poder do Sinédrio, foi condenado à morte.
Ontem, assim como ainda hoje, o assassinato político é a forma a que os tiranos, que governam o mundo, recorrem para calar os chamados agitadores de multidões oprimidas.
Mas o poder do Nazareno foi maior do que o do mais poderoso dos tiranos. Ao terceiro dia ressuscitou dos mortos e provou a toda a Humanidade que ele era o filho de Deus feito Homem.