Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
(Lêdo Ivo, na Póvoa de Varzim - 2009)
Foi este ano, no Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, que tive a honra de conhecer, pessoalmente, o poeta Lêdo Ivo.
Já conhecia o seu nome, de ouvir falar nos seus versos, há tanto tempo! Desde o tempo em que me perdia a brincar nos campos verdes, onde cresciam as bananeiras, nas traseiras da casa onde vivia, nas cercanias de Niterói (um município do Estado do Rio de Janeiro – Brasil) na minha primeira infância.
Lêdo Ivo era já o Poeta.
Mais tarde li os seus versos, que ficaram em mim. Nas várias viagens que realizei, atravessando o Atlântico, entre Brasil e Portugal, perdi os seus livros (e outros também). Foram ficando pelo caminho. Não sei! O que sei é que o que li de Lêdo Ivo foi há muito tempo. No entanto, as suas palavras luminosas permaneceram no meu subconsciente, adormecidas. Mas não esquecidas.
O tempo passou, e outros poetas cruzaram a minha vida.
Quando vi o seu nome incluído na lista dos escritores que, este ano, participariam no Correntes d’Escritas, os seus versos regressaram à minha memória: finalmente iria conhecer Lêdo Ivo.
Portanto, foi com muita emoção que me vi diante do Poeta.
Procurei os seus livros na Feira do Livro que sempre acompanha o evento, e não encontrei nenhum, para grande desgosto meu.
Abordei então o Poeta. A sua simpatia e simplicidade fizeram jus à sua fama de um dos maiores poetas brasileiros. Lêdo Ivo não é uma vedeta. É simplesmente um Poeta. E isso faz dele o verdadeiro Poeta.
Faço questão de frisar este pormenor, porque, nesse mesmo evento, abordei um outro poeta, português, tido como de “grande craveira”, e saiu-me uma “vedeta”, o que me decepcionou sobremaneira, até porque tenho aversão a vedetas, de todas as áreas artísticas.
Continuando com o que interessa: abordei Lêdo Ivo, e perguntei-lhe, entre outras coisas, se não tinha nenhum livro dele à venda em Portugal. Não tinha. E acrescentou: «Se você quiser me dê o seu endereço que a minha editora lhe enviará um dos meus livros». Com certeza que aceitei. O Poeta tirou um papel do seu bolso, e entregou-mo para eu lá escrever o meu endereço, com a nota “enviar livro”. Assim fiz.
Entretanto, como sempre faço, amadoramente, fui captando na minha máquina fotográfica, momentos inesperados, os que me foram parecendo singulares. Foi então que vi Lêdo Ivo, recostado a uma das cadeiras do Auditório, com um olhar submerso em algum mundo íntimo, só dele, estava ali e não estava, e fixei esse momento e esse olhar únicos.
Escusado será dizer que este meu encontro com o Poeta brasileiro encheu-me a alma. Faltava porém, um pormenor: será que ele esquecer-se-ia da promessa que me fez?
Não esqueceu, ao contrário das nossas “vedetas” que não cumprem o que (quase de má vontade) prometem aos seus leitores (parecendo que temos obrigação de ser seus leitores).
Um destes dias, chega-me pelo correio o seu Plenilúnio (2004), publicado pela Topbooks Editora, com uma dedicatória muito simpática.
Um livro lindo, não só graficamente, como pelo seu conteúdo de palavras luminosas. Versos feitos de águas límpidas, onde mergulhamos e sentimos que o silêncio nos envolve, como num ventre materno, e todo um universo de sensações nos aquieta a alma, porque o «plenilúnio é lume que ilumina» (diz o Poeta), embora a morte ronde o lugar onde a vida se esconde. Porém, vida e morte fazem parte do mesmo percurso, um percurso que Lêdo Ivo tão bem sabe transformar em versos.
Tudo isto num Português que dá gosto ler (o que nem sempre acontece com os autores brasileiros das novas gerações). Um livro que nos transporta para o plano de um sentir profundo, de alguém que já viveu muito e sabe tudo, ou quase tudo da existência humana.
Arrisco-me – não podia deixar de o fazer – (e digo arrisco-me, porque pedi autorização à editora para o publicar e não obtive resposta) a reproduzir aqui um dos seus poemas, incluídos no Plenilúnio, que diz da dimensão da Poesia de Lêdo Ivo.
♥♥♥
O PORTA-VOZ
Falo em nome da noite
que traz a sombra e a morte
e o silêncio final.
Em nome do oceano
advirto os navios
que passam no horizonte.
À folhagem fremente
falo em nome do vento
e de suas rajadas.
Converso com as pedras.
As montanhas caminham
imitando os ciganos.
Falo em nome da água:
da água branca das fontes
e da água negra dos mangues.
Falo em nome de tudo:
da terra maternal
e dos céus transfigurados.
As estrelas se curvam
para ouvir o que digo
na noite iluminada.
Mesmo quando estou mudo
ouço em mim a torrente
da voz inestancável.
Em nome dos amantes
falo de amor na treva
guiando a mão errante.
Guinado a mão que encontra
a água de um mar escuro
na concha entreaberta.
Sou apenas dois lábios
que se abrem na noite
ferida pelo vento.
♥♥♥
Obrigada, Lêdo Ivo, por não ter se esquecido de mim.
Obrigada, por esta viagem ao fundo da alma de um Poeta.
Verdadeiro.