Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
(Aspecto da sessão de abertura do Correntes d'Escritas, com o escritor Ascêncio de Freitas em primeiro plano)
É sempre com grande interesse que, na Póvoa de Varzim, acompanho o encontro de escritores de expressão ibérica, denominado Correntes d’Escritas, que este ano celebrou a sua 10.ª edição, com participantes de Portugal, Angola, Argentina, Brasil, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Cuba, Espanha, México, Moçambique, Peru, São Tomé e Príncipe e Uruguai, com auditório completamente cheio, numa época em que a Literatura parece estar em agonia.
O meu interesse por este evento abrange várias facetas: primeiramente conhecer de perto os escritores e a sua obra; ouvi-los divagar sobre variadíssimos temas, e, à margem deles, anotar o que se diz, observar o que se faz, o que se aplaude e o que se desaprova, e evidentemente, estou também atenta aos interesses que fazem mover a grande engrenagem destas Correntes, particularmente, os interesses dos editores portugueses (quase sempre os mesmos).
O saldo, certamente, é positivo, em todos os aspectos.
Nestes encontros, porém, temos de tudo um pouco: temos aqueles escritores que verdadeiramente o são, isto é, escrevem para os seus leitores e quando estes os interpelam, são simpáticos, conversam, até fazem perguntas, e nós, como seus leitores, ficamos agradados. E temos os outros: aqueles que escrevem para eles. São antipáticos, e fogem dos leitores como o diabo da cruz. São os que, depois de “fazerem o nome” transformam-se em vedetas, sobem aos seus pedestais, e é dali que nos falam, ou então não falam, limitam-se a encolher os ombros, como quem diz estou demasiado alto para te ouvir. Estes, claramente, decepcionam os seus leitores, e não são, de modo algum, os verdadeiros escritores.
Como acompanho desde a segunda edição estas Correntes, habituei-me já a separar o trigo do joio, e do “trigo” selecciono os melhores grãos, e tiro proveito do que realmente me interessa.
De tudo isto ocorreu-me divagar sobre o que é ser escritor em Portugal.
No meu entender, a arte da escrita banalizou-se. Hoje, qualquer um que tenha um livro publicado é tido como um “escritor”. E eles nascem por aí como cogumelos. Basta aparecer na televisão, com uma vidinha mais ou menos turbulenta ou escandalosa, e logo dali nasce um “livro”, a vender milhares de exemplares, porque o que interessa aos editores é ganhar dinheiro. «A Cultura que se lixe», como os meus ouvidos já tiveram a infelicidade de ouvir. Proteger a Língua Portuguesa ou divulgar a Literatura propriamente dita, já não é da competência dos editores. Pelo menos de alguns.
Então, além da proliferação de livros que contam vidinhas e escândalos, os “escritores” da moda, os best-sellers, são os que andam por aí: badalados e mediáticos. A sua sobrevivência depende do mediatismo. Sem esse mediatismo não sobreviveriam. E até há quem fale em “escritores parasitas”, isto é, aqueles que pagam a alguém para escrever livros e depois colhem os louros.
É preciso estar no lugar certo, no momento certo, com a pessoa certa para que possa singrar-se no mundo da escrita.
Um dia, ouvi (ou li, não sei agora precisar) José Saramago dizer que se o escritor faz um trabalho de escrita, não deveria ter um salário de acordo com o trabalho que realiza? A escrita é a “mercadoria” do escritor, a única coisa que ele tem para vender, então por que não lhe pagam o justo valor?
Talvez porque não haja um “justo valor”. Põe-se o problema das horas de trabalho: como contabilizá-las? Existe uma certa frustração na realização do trabalho da escrita (pelo menos no que me diz respeito): gastam-se horas, dias, semanas, meses e até anos a escrever uma obra, que depois fica na gaveta porque ou não se é suficientemente mediático ou não se tem um bom padrinho, para ter o direito de publicá-la; ou se a publicamos não recebemos o justo pagamento. Os intermediários são tantos, que para o criador sobra a ínfima parte. Isto em Portugal, porque lá fora, o escritor recebe uma quantia razoável antes de ser publicado, e depois uma percentagem sobre os exemplares vendidos, o que é muito mais justo. Desse modo, impõe-se ao editor o dever de divulgar a obra, para este poder reaver o dinheiro investido e mais algum.
Em Portugal passa-se exactamente o contrário. Se queremos ser editados pagamos ao editor e este, não tendo investido nada, nada tem a perder, logo, nada faz para divulgar a obra, e esta, sem divulgação, acaba por ficar encalhada, por muito interessante que seja.
Há quem pense que a escrita (as Artes em geral) não é para ser paga. É algo que transcende o materialismo. No entanto, quando o apelo da escrita nos invade terá de ser amarfanhado pelas necessidades da sobrevivência?
A escrita requer determinadas condições: silêncio, isolamento, lugar envolto pela natureza e disponibilidade de horas (todas as horas só para a escrita). As dificuldades económicas do escritor (e dos artistas em geral) são a vergonha das sociedades, dos governos. Há muito desrespeito pelo seu trabalho. Parece que ele tem a “obrigação” de escrever e sobreviver apenas do ar que respira. A Cultura é ainda uma questão menor.
Hoje em dia, ninguém investe num desconhecido, ainda que a escrita desse desconhecido tenha qualidade. O que interessa é vender, e só vende quem se mostra, quem aparece, quem acontece, quem…
No entanto há tão bons escritores portugueses, que nunca são referidos nos jornais, nas revistas da especialidade, na televisão. E eu pergunto-me: porquê?
Os escritores contemporâneos meus preferidos são o Fernando Campos, o Luís Rosa, o Altino do Tojal, a Luísa Dacosta, entre outros. No entanto quem ouve falar acerca destes mestres da Língua Portuguesa?
Um dia, fui apresentada a um senhor editor de uma conceituada editora portuguesa, na altura da loucura do Big Brother. Ao ser apresentada disseram: Esta é uma escritora que faz edições de autor. E eu acrescentei: Faço edições de autor porque não vou ao Big Brother. O editor disse: Sabe, foi uma encomenda de uma grande superfície…
A encomenda era um livro do rapaz que mais mal falava (logo escrevia) no tal programa televisivo. Mas foi um best-seller. Tive a curiosidade de ler um excerto, quando fui a uma consulta médica e dei de caras com uma revista, onde se fazia parangona ao livro, logo na capa. Fiquei horrorizada com a “literatura” à qual a tal conceituada editora dava cobertura. Uma editora que já me havia recusado um texto. Não quero dizer com isso que eu seja uma “Saramago”, mas considero que a minha escrita é um pouquinho melhor do que a do tal rapaz.
E se quero ser editada por uma editora tenho de pagar o preço de ser escritora em Portugal. Assina-se um contrato, que nunca é cumprido pela editora. E não há lei alguma que obrigue as editoras a cumprir o que está estipulado no contrato. E as contas que deviam fazer-se semestralmente, passa-se um ano, passam-se dois, passam-se três e o escritor que viva do ar que respira, abundante e gratuito…
Será este um modo de servir a Cultura, em Portugal?
Isabel A. Ferreira
Introduzi no google como ser escritor. Apareceu-me este post logo nos primeiros links . Li e repensei a minha frase de busca. O que acontece é que escrevo. Tenho essa necessidade. Faz-me ser eu. Sentir a plenitude. Parece que é a única coisa que faz com que todo o meu eu entre em sintonia. Mas senti vergonha por ter colocado tal frase no motor de busca. Não, realmente não quero ser como aqueles que agora publicam livros graças a mediatização que tiveram.
Mas não posso mentir, ambiciono que as pessoas me leiam... Não quero ser famoso, não quero ser reconhecido na rua, quero apenas que alguém me leia e diga "sim, eu escreveria isso!".
Infelizmente tirei uma engenharia, hoje que dou os primeiros passos no mundo do trabalho arrependo-me de não ter corrido o risco... Mas, que risco? Estou em Portugal, não sei como o fazer, apenas sei sentir... O sentir que faz escrever o o sentir que me enche de uma necessidade de partilhar...
Não sei o que é ser escritor, talvez um dia o descubra. Mas depois deste post já sei o que é não o ser. Obrigado
Ó meu caro amigo Neoprofeta:
Obrigada pelo seu comentário. Há que reinventar uma palavra para designar aqueles que verdadeiramente amam as palavras e as escrevem. Não gosto de ser chamada de "escritora", prefiro "operária da escrita". É o que sou. Não desisto. Não desista também. Escreva. Liberte-se. Em Portugal a Literatura está adormecida, mas quem sabe, um dia, venha um príncipe e a desperte, não com um beijo, mas com uma política lúcida.
Actualmente, andam todos cegos, não dos olhos, mas da mentalidade.
um abraço.
De
efe a 30 de Outubro de 2009 às 21:35
"A escrita requer determinadas condições: silêncio, isolamento, lugar envolto pela natureza e disponibilidade de horas (todas as horas só para a escrita). " Não tem de ser assim, há quem escreva no meio do maior vendaval ou da cacofonia diária da urbe. Mas percebo que queres evidenciar as dificuldades colocadas pela exigência de ambientes propícios ao acto de escrever.
E, sim, arcodealmedina, há por aí produtores de best-sellers que nem têm tempo para escrever os seus livros, por isso, quando publicam muito, revelam estranhas variações de “estilo” entre uma e outra obra. Não estranhas a produtividade de certos autores de “romance à resma”, que sabemos muito ocupados com outros afazeres profissionais no dia-a-dia? Isso não é literatura, é dejecto que ocupa o lugar da literatura nos escaparates. É apenas papel estampado com motivos recreativos. Não é literatura, não é ARTE! A literatura pode ser, também, recreação e diversão, mas não pode ser apenas isso. Paciência, quem manda no mercado e constrói os best-sellers é a carneirada que lambe das prateleiras dos hipermercados tudo aquilo que o marketing manda.
Saúde, e que as letras te recompensem o carinho que lhes dispensas.
PS: Eu escrevo mas não sou nem ambiciono ser escritor. Escrevo para ordenar as ideias, para me rever no quem escrevo e, sobretudo, para estabelecer fasquias que devo superar. Porém, agradeço àqueles que sentem vontade de escrever para os outros, para mim, e que o fazem a meu gosto.
Alguns dos meus escritores portugueses favoritos contemporâneos: Hélder Macedo, Miguel Real, José Saramago, Mário Claúdio.
De
efe a 30 de Outubro de 2009 às 21:39
"que escrevo"
"Alguns dos escritores portugueses contemporâneos, meus preferidos:"
Isto de escrever directamente nas janelas de comentários...
:S
Muito obrigada, efe, pelo seu comentário. Pe3nso que os editores portugueses, nos tempos que correm, não prestam um bom serviço nem à Literatura nem à Cultura Culta. E também não há sentido crítico por parte dos leitores. Compram tudo o que lhes dizem para comprar, como diz, e muito bem.
Escreva, mas partillhe connosco a sua escrita. Envie-me um dos seus textos.
Um abraço.
De Carlos a 20 de Outubro de 2010 às 03:37
Penso que a questão dos leitores não terem "sentido crítico" é um equivoco. Os leitores sabem bem o que compram, os escritores (alguns, entenda-se) é que são arrogantes e acham que sabem melhor que as massas, o que é ou não de qualidade.
Há uma clara falta de respeito pelo leitor comum. Literatura não tem que ser arte nem cultura - a não ser para os pseudo-intelectuais que vêem na literatura uma forma de provar algo. Literatura, tal como o cinema ou a música é, acima de tudo, uma forma de entretenimento. Claro que também é arte, mas arte, pela sua natureza, não tem aspirações comerciais.
Se algum escritor não está a vender bem... é sinal que tem de passar a escrever melhor ou, no mínimo, deixar de se preocupar com isso.
Assisti a uma palestra sobre escrita em Espanha, e um dos autores que falou disse, e muito bem "muitos escritores falham porque escrevem para sí, e esperam que o público goste... o bom escritor procura conhecer o seu público primeiro e escreve para eles, não para sí".
Concordo plenamente com essa perspectiva. Quem quer escrever "do coração", escreva um blog. Se querem escrever para um público, respeitem o público, começando por perceber o que esse público quer - talvez não seja aquilo que têm para dar.
Caro Carlos, talvez tenha razão.
Os tempos são outros, os leitores também, e as exigências nenhumas.
Os grandes clássicos portugueses e universais ainda hoje são lidos, são procurados, são preferidos. Por que será?
Uns escritores permanecem vivos, são eternos, ainda que fisicamente desaparecidos há muito; e outros são esquecidos completamente, pouco tempo depois de serem lidos e estarem ainda vivos. Por que será?
De Edgar a 2 de Dezembro de 2010 às 14:17
Lamento mas não concordo, de todo, com a ideia de "escritor" que aqui se deixa transparecer.
O escritor não tem que ser alguém simpático. Também não tem, na minha modesta opinião, que escrever para o leitor. Parece-me que o verdadeiro escritor escreve, em primeiro lugar, para si próprio. Aliás, postular o contrário é precisamente defender o escritor mercantilista, que escreve em função do que os outros esperam de si.
O artista é, na maioria dos casos, um ser egoísta. E não me parece que a escrita esteja pior hoje do que no tempo do Eça de Queiroz, já que, se o está, ninguém há que culpar se não os próprios escritores. Continua a haver boa escrita e má escrita. Ser escritor não é fácil. Não é um meio de enriquecer, embora alguns o vejam como tal. Por isso não se queixem escritores. E sim, qualquer um que escreve é escritor. Não vejo que esse título dependa da publicação de uma obra. A arte é de todos e de cada um que a faz.
Edgar (?)
(Não sei quem é o Edgar ou o que faz. Acho que as pessoas honestas, que queiram fazer comentários honestos, DEVEM assinar o seu nome e colocar um e-mail viável, para que nós, que estamos a ser comentados, possamos esgrimir “olhos nos olhos”).
«O escritor não tem de ser alguém simpático», diz você. Na verdade NÃO TEM. Mas eu pessoalmente não gosto de escritores ou de pessoas antipáticas. Normalmente o artista é SIMPÁTICO. A vedeta NÃO É.
«Também não tem (...) de escrever para o leitor», diz você. Na verdade também NÃO TEM. Quando digo que “escrevem para os seus leitores” quero dizer que ESCREVEM PARA SEREM LIDOS. É ÓBVIO que um verdadeiro autor primeiramente escreve para si próprio, aquilo que intui que tem de escrever.
E se tem a intenção de publicar, deverá GOSTAR DE SER LIDO. Assim como o pintor deve gostar que apreciem a sua tela; o escultor, a sua escultura; o cineasta, o seu filme; o músico, a sua música, a bailarina, o seu bailado; o actor, a sua representação. TODOS FAZEM O SEU TRABALHO PARA UM PÚBLICO, se assim não fosse, para que serviriam as ARTES?
Por que motivo o escritor haveria de ser diferente?
A arte (qualquer arte) só é ARTE se vier à luz do dia e tenha o SEU PÚBLICO. Se ficar escondida, nunca será ARTE.
O que será um escritor MERCANTILISTA? O que escreve para ganhar dinheiro, para sobreviver? O Camilo Castelo Branco (que não sabia senão escrever) escrevia a metro, para poder comer e sustentar a família. Ou acha que quem escreve deve alimentar-se do ar?
Acha que apenas os banqueiros e os políticos e os ladrões é que têm o direito de “ganhar” dinheiro?
«O artista é (...) um ser egoísta». Por que deverá sê-lo? Há artistas egoístas, tal como qualquer outra pessoa. Mas por que carga de água UM ARTISTA TEM DE SER EGOÍSTA?
A Escrita, hoje, BANALIZOU-SE. É um facto. Qualquer um escreve e consegue publicar um livro, excepto os AUTORES que ainda não são “Saramagos”.
No tempo de Eça de Queiroz, um escritor era UM ESCRITOR, que também precisava de pagar as suas contas. Sabemos hoje que Eça tinha muitas dívidas...
Essa ideia “brilhante” dos Edgares deste mundo, que acham que, quem faz da escrita uma profissão, não tem de ganhar dinheiro, já vem de tempos antigos. Luís de Camões morreu como um indigente. Hoje dedicam-lhe um dia. Mas tenho a certeza de que o Poeta preferiria ter visto o seu trabalho remunerado em vida, do que ter um dia para ser celebrado, depois de morto.
«Ser escritor não é fácil», diz você. E eu digo que ser escritor para quem tem o "bichinho" da escrita É FÁCIL, no sentido do acto de escrita.
O que é difícil é publicar a sua obra num país onde os editores são (esses sim) DEMASIADO MERCANTILISTAS.
Ser escritor «não é um meio de enriquecer», diz você. Quem escreve, se tiver o "bichinho" da escrita, não escreve, COM CERTEZA, com o intuito de enriquecer. Mas pode acontecer. Não em Portugal. Obviamente.
Lembremo-nos da J. K. Rowling, autora do Harry Potter. Quando começou a escrever a saga, não teve intenção de a escrever só para ela. Tinha um leitor como alvo. Também não a escreveu com a intenção de ultrapassar a fortuna da Rainha de Inglaterra. E no entanto, ultrapassou-a. Devemos CONDENÁ-LA?
«Por isso não se queixem, escritores», diz você. NÃO? Se não temos outra profissão o que faremos? Vamos mendigar? Posso ir bater à sua porta, Edgar? Dar-me-á um prato de sopa?
«Não vejo como esse título dependa da publicação de uma obra», diz você. Não vê? Se um livro não for publicado não é um livro. E se o livro for publicado, a quem o escreveu (eu estou a falar dos verdadeiros AUTORES, não dos escritores parasitas) devemos chamar COZINHEIRO?
«A arte é de todos e de cada um que a faz», diz você. Pois engana-se. A ARTE É DE TODOS QUANDO SAI A PÚBLICO, E SAINDO A PÚBLICO DEIXA DE PERTENCER A QUEM A FAZ, PARA APENAS TER O DIREITO A ELA COMO AUTOR. E ESSE DIREITO TEM DE SER PAGO.
Ou você (que não sei o que faz) trabalha porque gosta muito, e come ar? NÃO DEVIA TER MENTALIDADE DE MERCANTILISTA, NA SUA PROFISSÃO EDGAR. É MUITO FEIO. Bata à minha porta. Eu escrevo. Não ganho nada, mas dou-lhe um pratinho de sopa.
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