Livro Negro da Tourada à corda
Muitas vezes é dito que as touradas são uma mais-valia económica para a ilha Terceira, constituindo uma actividade que movimenta um grande volume de negócio. Mas esta afirmação é totalmente leviana e irreflectida. Pelo contrário, as touradas são na realidade um buraco negro para a economia da ilha Terceira.
Antes de mais, deve ficar claro que desde o ponto de vista económico a actividade tauromáquica não é uma actividade produtiva. Não há nada nela que crie riqueza nem benefício para a economia. A actividade tauromáquica é uma actividade destinada exclusivamente ao espectáculo, e tal como acontece para qualquer espectáculo são as pessoas e a sociedade que investem e pagam dinheiro para que ela possa existir. Assim, as touradas não criam riqueza, elas consomem riqueza. E tal como acontece para qualquer espectáculo, seja teatro, desporto ou qualquer outro, o dinheiro gasto nele estará justificado ou não em função da satisfação que as pessoas obtenham dele como espectadores ou, no caso dos espectáculos culturais, daquilo que ele possa aportar para o crescimento moral ou intelectual do espectador.
Sendo claro que as touradas não criam riqueza nenhuma, é afirmado então que movimentam muito dinheiro e que são importantes para determinado tipo de comércio, nomeadamente no que se refere à venda de comidas e bebidas que tem lugar à volta das touradas. Esta é portanto uma relação indirecta. O comércio não depende das touradas mas da concentração de pessoas que se reúne à volta delas. Ora, essa concentração de pessoas é típica de qualquer tipo de festividade, com tourada ou sem ela. Assim, é perfeitamente possível substituir uma tourada por qualquer outro tipo de festa sem que o comércio de comidas e bebidas fique por isso minimamente afectado. Conclui-se portanto que essa movimentação de dinheiro, que beneficia só a um determinado número de comerciantes e não à população em geral, não depende da existência das touradas.
E ainda podemos perguntar-nos se essas vendas de comidas e bebidas correspondem a produtos regionais ou, como no caso das habituais cervejas, a produtos importados, com o qual o que na realidade se está a fazer é injectar dinheiro para fora da região, o que se está a fazer é pagar dinheiro açoriano para criar riqueza fora das nossas ilhas.
Se as touradas não criam riqueza e também não são necessárias para a movimentação de dinheiro no sector da restauração, se não têm um efeito económico positivo, será que elas têm talvez efeitos económicos negativos? Pois certamente que têm, muitas vezes ocultos, e não são poucos.
É sobejamente conhecido, até por relatos antigos, o efeito negativo que as touradas têm sobre a produtividade laboral dos terceirenses, o que é o mesmo que dizer sobre a economia da ilha Terceira. Durante os muitos meses que duram as touradas, ocorre nesta ilha mais de uma tourada por dia. Ora, se contabilizamos o número de pessoas que estão nas touradas todos esses dias é bem fácil calcular as horas de trabalho que são perdidas e a riqueza que deixa de ser produzida. Ainda, o facto de muitas ruas e estradas ficarem com o trânsito interrompido durante essas touradas gera sem dúvida problemas e constrangimentos a todas as actividades económicas.
Nos campos da ilha, muitas pastagens são utilizadas para a produção dos touros, quando podiam ser muitas vezes utilizadas para a criação de riqueza, mediante a agricultura ou a produção de lacticínios, mesmo quando são utilizados terrenos das zonas altas da ilha que não são os mais idóneos para esta função. Mas o certo é que nestas zonas altas da ilha as pastagens também podiam ser substituídas por matas de vegetação endémica e turfeiras, que acrescentariam um valor ecológico e também económico à ilha, por exemplo mediante a retenção das águas, a protecção da biodiversidade e o turismo.
Mas o principal prejuízo que as touradas causam à economia é todo o dinheiro público que é desviado, geralmente de forma disfarçada, para a minoria de pessoas que fazem o verdadeiro negócio com elas, como são os ganadeiros, as tertúlias, etc. É dinheiro que, sem ser conscientes disso, acabam por pagar todos os munícipes da Terceira e também de todas as ilhas açorianas. É dinheiro que, sendo desviado para as touradas, não é utilizado no reforço da actividade produtiva, que cria riqueza, nem nos serviços básicos da população como podem ser a saúde, a educação, etc. E esta quantidade de dinheiro, furtada à economia e à sociedade, segundo alguns cálculos poderia ultrapassar facilmente o milhão e meio de euros anuais.
E ainda poderíamos falar doutros prejuízos económicos e sociais como são os custos do atendimento hospitalar dos feridos nas touradas, o número de mortos (que foram dois em 2012), o dinheiro gasto em segurança e policiamento nas touradas, as somas avultadas de dinheiro que vão para fora da região na contratação de companhias continentais e espanholas para as feiras taurinas, o prejuízo para o turismo devido às touradas serem uma actividade repudiada em quase todos os países do mundo, e mesmo nos restantes repudiados também pela maioria da população, o dano que o espectáculo público da violência sobre animais causa na educação social e ambiental das pessoas, etc.
Considerando tudo isto, fica claro que a economia terceirense só ganhava com o fim das touradas.
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