Os aficionados, quando querem defender a sua “dama esfarrapada” (leia-se tourada), abrem a boca com citações de escritores, pintores, poetas, e outros que tais, que também eram (ou são, os que estão vivos) aficionados.
Esquecem-se, contudo, de um detalhe bastante importante: o de acrescentarem aos ilustres nomes, os podres das perturbadas vidas deles.
Mas é melhor ler o que nos diz António Pina:
MANUEL ANTÓNIO PINA (1943-2012)
«A propósito da anterior crónica (sobre as inclinações “culturais” da Câmara de Vinhais, que decidiu iniciar os seus munícipes nos prazeres “exquis” da brutalidade e tortura pública de animais) escreve-me um leitor dizendo, em abono da tourada, que Hemingway e Picasso gostavam do espectáculo. Não só eles, acrescento eu, e de touradas e coisas piores…
Escritores e artistas raramente são exemplos morais recomendáveis. Céline, escritor maior (mesmo não sendo a literatura um campeonato) que Hemingway, partilhou com Hitler, além do desprezo pelas mulheres, o gosto pela carnificina de judeus, e Picasso, juntamente com as touradas, teve outra devoção não menos sangrenta, Estaline.
A História está cheia de obras sensíveis e generosas, às vezes de grande riqueza moral, realizadas por gente feia, porca, má ou nem por isso. E se o desprezível Dr. Destouches, dito Céline, escreveu a admirável “Viagem ao fim da noite” mas também obras imundas e carregadas de ódio, em outras é difícil encontrar traço do ser humano existente por trás delas (quem dirá que por trás da belíssima Catedral de Brasília está um devoto, também ele, de Estaline?)
Não é por Hemingway e Picasso se terem divertido (terem sido capazes disso) com a agonia e morte de um animal que a tourada deixa de ser um espectáculo eticamente condenável. O facto de apreciarem touradas desabona a favor de um e outro, não abona a favor das touradas.»
http://basta.pt/touradas-e-coisas-piores/
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Exactamente, António Pina.
Por trás de um aficionado estará sempre um mundo de violência na infância, onde a crueldade, a angústia, a infelicidade os transforma nas criaturas sádicas que virão a ser um dia.
Hemingway (que viveu a guerra civil de Espanha) acabou por suicidar-se. Picasso foi um pai cruel e um marido impiedoso (para acrescentar algo mais ao que disse António Pina).
Perez-Reverte, escritor espanhol, outro aficionado, foi criado, desde a infância, na violência das touradas, e na juventude foi para a guerra matar jovens que desconhecia e nunca lhe fizeram mal algum. E essa violência gratuita acompanhou-o para o resto da vida.
António Lobo Antunes, escritor, aficionado também, andou na guerra que o traumatizou. Matou seres humanos. Tornou-se uma criatura amarga.
Para esta gente, a VIDA do outro, não lhes diz nada.
Só a deles, conta. São, por natureza, extremamente egoístas.
Um Touro? Ah! Sim, um Touro. Ninguém.
Não servem de MODELO para a Humanidade.