Um belo animal em plena campina, usando do seu direito à liberdade...
EM NOME DA CULTURA, DA CIVILIZAÇÃO E DA ÉTICA ANIMAL
Exmo. D. José Policarpo:
Melhor do que ninguém saberá que o púlpito de uma Igreja Católica é o lugar ideal para falar ao coração do povo, e acreditando esse povo que os Padres são os representantes legítimos de Deus na Terra, as palavras que proferem do alto dos púlpitos têm a força do vento, e tal como sementes, fazem germinar nas almas, frutos doces ou frutos amargos, dependendo do que pretendem transmitir.
Houve uma época, já bastante remota, em que os escravos e as mulheres eram considerados seres sem alma, tal como os animais não-humanos e as crianças. Este grupo de seres era desprezado e muito maltratado pelos elementos masculinos dos chamados “seres humanos”.
Felizmente deu-se um saltinho na evolução das mentalidades, e acabou-se por descobrir que, afinal, os escravos e as mulheres e as crianças eram seres humanos, todos filhos do mesmo Deus.
Deu-se um saltinho pequeno, mas fundamental. Contudo, continuou-se a pensar que os animais não-humanos não passavam de bestas que existem para servir o homem, e como não têm alma, podem ser maltratados à vontade desse homem.
Outro grande engano. Felizmente homens sábios, e tocados pela centelha divina, descobriram que os animais não-humanos são animais como nós. E têm alma. E vivem as alegrias e as tristezas da vida. E sofrem tal como nós, até porque têm os mesmos órgãos, têm as mesmas necessidades vitais, enfim, até lágrimas vertem, tal como nós.
Com respeito aos animais não-humanos, a Igreja Católica sempre teve uma posição nada condizente com a verdadeira essência Cristã e com o Humanismo. Nem sequer têm em conta os ensinamentos de São Francisco de Assis, que amava a Natureza e os Animais Não-Humanos, e por isso é hoje o Patrono dos Animais não-humanos e do meio ambiente. Para ele, os animais não- humanos eram seus irmãos. Não foi Deus que criou o Céu e a Terra e todos os seres viventes, e árvores, e águas e o Sol que aquece a todos, e a Lua, que ilumina a todos?
Grandes sábios da Humanidade estudaram e intuíram que a essência dos animais não-humanos era a mesma essência dos animais humanos.
Sabemos que em Portugal (e infelizmente por todo o mundo, até naqueles países que se julgam muito civilizados) os animais não-humanos são bastamente maltratados, com uma crueldade assombrosa. Massacrados friamente. Fazem deles objectos de diversão. Tudo devido a uma profunda ignorância que por aí escorre, viscosamente.
A Igreja Católica tem o dever de ensinar ao seu “rebanho” os ensinamentos de Cristo. É dos púlpitos que esses ensinamentos devem sair, porque o que o Padre diz, é a palavra de Deus. Não é o que dizem?
A mensagem de Jesus era de amor e compaixão por todos os seres criados pelo Pai, contudo não há nada de amoroso ou misericordioso no modo como os ditos seres humanos tratam os animais não-humanos, que vivem vidas miseráveis e morrem mortes violentas, cruéis e sangrentas. Jesus pede bondade, misericórdia, compaixão, e amor por toda criação de Deus.
E é isto que também tem de ser ensinado nos púlpitos.
Albert Schweitzer, que como D. José Policarpo sabe, foi um teólogo, músico, filósofo e médico alemão, nascido na Alsácia, diz: «A Ética Animal é concordante com o princípio da não-violência de Jesus Cristo».
Albert Schweitzer tinha perfeita consciência das inconsequências e das lacunas expressas pelas concepções do Cristianismo oficial. Diz ele: «Aquilo que há dezanove séculos se apresenta neste mundo como Cristianismo não passa de um esboço cheio de fraquezas e erros, não o Cristianismo total, emanado do espírito de Jesus.»
Concordo plenamente com este teólogo.
São estes ensinamentos que os Padres devem transmitir nos seus púlpitos. Ensinar os ignorantes não será uma obra de misericórdia?
Por isso, D. José Policarpo, com todo o respeito, penso que é chegada a altura de a Igreja Católica tomar uma posição pública, junto ao Governo Português, relativamente ao Massacre de Touros (vulgo Tourada) – a nódoa negra da nossa Sociedade – e começar, nos seus púlpitos, a ensinar ao povo (àquele que aplaude tal "espectáculo" degradante, despido de qualquer valor humano e primitivo), que maltratar, massacrar cruelmente animais não-humanos, sejam quais forem, em arenas, em circos, corridas de cavalos, lutas de cães, de galos, mesmo dentro dos próprios lares (o caso dos abandonos de animais, ditos de estimação) nada condiz com os ensinamentos de Cristo.
Os animais existem por si próprios. Não para “servir” o homem-predador. São também criaturas de Deus.
O filósofo britânico Jeremy Bentham argumenta que «a capacidade de sofrer, e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida que nos conduza ao respeito, ao modo como tratamos os outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos seres humanos, incluindo bebés e deficientes mentais, teriam também de ser tratados como "coisas"...»
O filósofo deixa-nos este famoso e sábio excerto, para que possamos nele reflectir: «A questão não é: Eles pensam? Ou: eles falam? A questão é: eles sofrem...»
D. José Policarpo, a Igreja Católica moderna não pode ser cúmplice desta barbárie (como já foi, noutras épocas, cúmplice de outras barbáries, que ficaram como nódoas das mais negras, na História da Igreja Católica).
Respeitosamente,
Isabel A. Ferreira
(Cidadã portuguesa com direito à indignação)
Touro, depois de "lidado", em frente ao Campo Pequeno (Lisboa). Ver link:
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/38589.html
Isabel A. Ferreira