«Num tempo em que se pugna pela igualdade de direitos entre géneros, vemos o poder político a dar a precedência a uma tradição marialva, primária e soez. A questão não reside apenas em matar o touro - esse sim! Debate-se com galhardia ante o "mais forte" que se respalda num pobre e escravizado cavalo - mas na cobardia de fazer espectáculo para colocar hordas ululantes de imbecis sanguinários a aplaudir um gládio em que é suposto ganhar "o mais forte", ou seja, o marialva narcisista que substitui a chupeta de que ainda precisa para se afirmar e sentir-se apreciado, pela bandarilha. Abjectamente narcisista! Desonrosamente primevo! Um atentado à civilidade.»
(Conceição Lopes da Silva)
Selvajaria tauromáquica em Albufeira: repare-se na ENCHENTE de GENTE… E torturam touros para inglês ver, e o inglês nem sequer lá põe os pés, porque em Albufeira, dizem os Ingleses, «bullfight is bullshit», e quem é que tem pachorra para bullshit, quando se tem praias lindas onde podem banhar-se nas águas límpidas do oceano?
Só mesmo mentes deformadas e doentias acham que bullfight é coisa que alguém do Bem, do Bom e do Belo possa assistir!
Isabel A. Ferreira
Não diante dos parlamentares europeus, que são todos feitos da mesma massa, mas diante do mundo da Cultura Culta.
Como é possível, uma individualidade destas, dizer tanta asneira numa só frase, como se estivesse a discursar numa qualquer confraria medieval?
Esmiucemos a frase que a prótoiro considera “belíssima”:
«As touradas são um ritual diante do perigo…»
Mas que perigo? Saberia Graça Moura que o Touro vai para arena num estado febril, já mais morto do que vivo, e os cobardes que o lidam nada mais fazem do que espicaçar um ser vivo, que embora esteja já bastante debilitado, ainda consegue reunir derradeiras forças para se defender dos seus carrascos? E por vezes até os deixa estropiados e mortos, com toda a legitimidade?
«…em que arte e coragem, inteligência e perícia, entusiasmo e audácia, criatividade e liberdade permitem (ao toureiro)…»
Graça Moura confundia pateguice com arte, cobardia com coragem, ignorância com inteligência, piruetas de bailarina com perícia, impotência sexual com entusiasmo, debilidade moral com audácia, fantochada com criatividade, e libertinagem com liberdade. Acontece a quem anda muito distraído ou desfasado do seu tempo…
«…revisitar e refazer o mito imemorial da luta contra o que de mais obscuro e brutal existe na natureza concentrados no touro que ataca»
Confuso, Graça Moura não sabia que o mito imemorial, que referiu, era um costume bárbaro, perdido num tempo remoto, uma luta entre o que de mais obscuro e brutal existe na Natureza, concentrados no animal dito humano, que ataca o animal Touro, um bovino, um ser pacífico, torturado previamente até ao limite, para entrar na arena já bastante debilitado.
Vasco Graça Moura confundiu os heróis. Numa tourada, o herói é sempre o Touro.
E os prótoiros, caracterizados por ter uma visão curta, quiseram prestar uma homenagem a VGM, escarrapachando este dito absolutamente ilógico, sujando o nome de quem o proferiu, e o nome de Portugal.
Vasco Graça Moura poderia até ser um bom tradutor, mas era um PSD, e basta. Um marialva, e basta.
Culto seria, mas nem todos os cultos têm a sensibilidade dos sábios. E Vasco Graça Moura não era sábio. Não era sensível. Não era um ser empático.
Defendia a tauromaquia, lastimavelmente. O que, lastimosamente, lhe manchou o nome.
Se, de acordo com os prótoiros, ele, na verdade, defendeu o “valor da cultura taurina”, então não tinha a mínima noção do que era Cultura.
Como lamentamos!
Que seja recebido no Além, em conformidade com as sementes que plantou na Terra.
Isabel A. Ferreira
Fonte da imagem:
«Contra as touradas, contra garraiadas, contra abusos. Estas tradições e outras pseudo-tradições peguemo-las de caras».
(Um texto que dispensa comentários e diz tudo o que há a dizer sobre a idiotice das touradas e garraiadas)
A pega de caras
Por Paula Sequeiros (Investigadora em Sociologia da Cultura)
«O garbo, a pose, o traje de luzes! O cheiro a sangue a borbotar do cachaço do touro ferido pela espada, pelas bandarilhas. O homem macho feito espetáculo [espeCtáculo - PT]. Que melhor nome podia ter? O marialva, o matador. O touro bravo, a natureza bruta, dominada, jaz aos pés.
Versão mais soft (?), sem morte do animal. À vista. Morte assegurada, muitas horas mais tarde, fora da arena. Versão espetáculo [espeCtáculo - PT] do sofrimento de animais, de todas as maneiras. Dos touros, mas também dos cavalos treinados para enfrentar outro animal, tornado inimigo pela tourada.
O dicionário define garraio: 1. Touro novo (que ainda não foi corrido). 2. [Figurado] Homem inexperiente.i
Touro não é animal em estado natural. É produto de apuramento genético para fabricar animal de aspeto [aspeCto - PT] fero, inimigo-ator, [aCtor - PT] animal-espetáculo [espeCtáculo- PT], animal-para-morrer. Produto, portanto, mais que animal. Garraio: produto incipiente na linha de produção, pretérito do produto final.
Homem domina animal, civilização domina natureza – duplamente. Recria-a por capricho, cria-a para morrer à mão. Tradição ancestral. Imagem dum passado em caixilho dourado, pechisbeque. História-mito, almofada onde adormece a consciência do animal humano para esquecer que o é, para ascender a diferente, superior animal com direito à vida e à morte de todos os outros. Mito caprichado da supremacia. Retirado da natureza, estádio vil em que animal mata animal para comer.
Dentro da civilização duma natureza-objeto [objeCto - PT], no abuso por gozo puro, requinte cultural do homem-macho. Natureza criada pelo patriarcado e pelo industrialismo à sua própria imagem. No mundo há muitas outras naturezas. A tradição estava criada. A tradição está servida.
«Civilização, obviamente, refere-se a um padrão complexo de dominação de pessoas e de toda a gente (todas as coisas) mais, atribuído frequentemente à tecnologia – fantasiada como «a Máquina». Natureza é um símbolo tão potente de inocência em parte porque 'ela' é imaginada como privada de tecnologia, para ser o objeto [objeCto - PT] da visão e assim uma fonte tanto de saúde como de pureza. Homem não está na natureza em parte porque não é visto, não é espetáculo».ii
Praxe académica, garraiada, queima-das-fitas.
«A praxe, enquanto ritual iniciático, transmite todo o tipo de valores reacionários [reaCcionários - PT] . Valores como a submissão, o sexismo, a homofobia e o corporativismo são exaltados, numa 'escola de vida' na qual se ensina a supressão do pensamento crítico, a obediência cega à ordem estabelecida e a necessidade de impor hierarquias de tipo militarista na sociedade». iii
Garraiada vai bem com praxe. Praxe também é tradição, ou não? Faz-se correr animal jovem (também podia ter sido aluno, como antigamente, outro garraio), enquanto outros maltratam, batem, puxam o rabo. Não o fariam se fosse outro animal, talvez. Garraio existe para ser garraiado.
Caloiro existe para ser praxado.
Morreu? Foi sem querer. Bicho é coisa, bicho é não-homem, bicho é apenas natureza. Feito para isso. Homem-macho opõe-se a bicho, não tem 'coisas' por animais, não é abichanado. Civilização é homem-macho.
Praxe rima com abuso. Praxe rima com macho.
Abusos sobre raparigas? Não é praxe, é exagero. Acontece é muito.
«A contestação da Praxe em Portugal não é coisa recente. Em textos que datam da primeira metade do século XVIII, já alguns estudantes atacam, por vezes em forma versificada, as assuadas rituais ou verbais: canelões e investidas».iv
A tradição reinventa-se, justifica-se todos os dias. Ou transforma-se.
Que tem feminismo a ver com touradas e garraiadas? Tem tudo.
O pensamento feminista associa natureza e humanidade, não as opõe. Forjado na luta contra a opressão de género, opõe-se a todo o género de opressões.
Contesta a história patriarcal, as tradições de negar direitos, de naturalizar maus-tratos. Celebra a reinvenção do quotidiano, sonha outras tradições.
Contra as touradas, contra garraiadas, contra abusos.
Estas tradições e outras pseudo-tradições peguêmo-las de caras.
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Bibliografia:
i Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
ii Haraway, Donna. 1994. “Teddy bear patriarchy: taxidermy in the garden of Eden, New York city, 1908-1936.” P. 49-95 in Culture power history: a reader in contemporary social theory, edited by Nicholas B. Dirks, Geoff Eley, and Sherry B. Ortner. Princeton, N.J.: Princeton University Press.: Princeton University.
iii Coelho, Ricardo. 2012. A praxe como escola de vida. Esquerda.net. 22 abril [Abril - PT].
iv Frias, Aníbal. 2003. “Praxe académica e culturas universitárias em Coimbra. Lógicas das tradições e dinâmicas identitárias.” Revista Crítica de Ciências Sociais, 2003 (66, Outubro):81-116.»
Fonte: