Quinta-feira, 1 de Abril de 2010

Mário Viegas - Evocação da sua Arte de Bem Dizer Poesia...

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2010

 

(N. Santarém, 10 de Novembro de 1948 — F. Lisboa, 1 de Abril de 1996)

 

 

(Origem da foto: Internet)

 

 

Naquela manhã, como era hábito, enquanto tomava o pequeno-almoço, liguei o rádio para ouvir as notícias. E mal eu acabara de o ligar as palavras soltavam-se: «Morreu Mário Viegas». Era o dia 1 de Abril. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de mau gosto do realizador do programa ou do próprio Viegas (sabendo como sabia que era muito brincalhão e gostava de ironizar com as coisas mais sérias). Era o Dia das Mentiras. Logo, não podia ser verdade.

 

Contudo era verdade. Ironia das ironias: Viegas morria no Dia das Mentiras. E passaram já 14 anos. E continua a ser mentira. Viegas ficou entre nós com a sua Arte inteira, genuína, magnífica.

 

Certo dia, para quebrar o monótono desencanto de uma vida vivida numa cidade onde o único poema é o mar e os seus insondáveis mistérios e as suas revoltas, mas também singelezas, decidi escrever uma crónica sobre poetas, para poder levar o sonho à minha existência, daqueles que, noutros tempos e noutros lugares, nos deixaram retalhos da própria vida, em forma de palavras.

 

Por essa altura, andava no ar, na RTP1, todos os sábados, por volta das 18 horas, o programa «Palavras Vivas», um autêntico oásis cultural, no grande deserto da produção televisiva portuguesa da época (estávamos em 1991).

 

Para quem gostava de Poetas, de Poesia e da arte de bem dizer, «Palavras Vivas» era, de facto, um programa extremamente bem concebido, onde as imagens, a música, as palavras dos poetas e a voz inconfundível de Mário Viegas nos transportavam para ambiências pertencentes a um passado não muito distante, mas, ainda assim, passado.

 

Ele próprio, Mário Viegas, grande actor, um homem com uma cultura poética extraordinária, era um autêntico poeta, na forma como nos dava a conhecer os nossos maiores poetas, por entre ambientes românticos, que despertavam (pelo menos em mim) uma saudade de tempos nunca vividos, de lugares nunca visitados, de pessoas nunca conhecidas.

 

Decidi dedicar-lhe essa Crónica.

 

Recordo-me do programa sobre Camilo Pessanha, cujo livro de poemas «Clepsidra», levou Mário Viegas a procurar uma paisagem de um rio de águas claras, arvoredo e velhas pedras. Insignificâncias para uns, mas para o poeta, autênticas jóias raras que adornam a existência. O poeta do tormento e da nostalgia, marcado por sarcasmo cáustico, sendo a sua obra considerada um dos grandes marcos do simbolismo português. O poeta que imortalizou as pedrinhas.

 

Nas coisas mais simples e mais naturais está a poesia da vida, contudo, essas coisas apenas os verdadeiros poetas conseguem ver, sentir e transformar em palavras.

 

Se não fossem eles, os poetas, as humildes pedrinhas que jazem inconscientes no leito dos rios, não viveriam na memória dos Homens comuns, porque esses nunca se lembrariam de as olhar com olhos carinhosos. Essas pequenas insignificâncias da Natureza, a quem ninguém mais dá valor, a não ser os poetas.

 

Mário Viegas, que era, sem a menor sombra de dúvida um dos nossos melhores diseurs (na minha opinião, obviamente) deu-nos a conhecer um pouco da vida e da obra de grandes poetas portugueses, introduzindo-nos, igualmente, outros intelectuais de cada época.

 

Logo no seu primeiro programa, tendo como cenário o Círculo Cultural Scalabitano, em Santarém, sua terra natal, Mário Viegas apresentou-nos alguns poetas com quem manteve relações de amizade, como Raul de Carvalho (questionando na altura o espólio “perdido” do poeta); José Gomes Ferreira; e o (também meu) saudoso Zeca Afonso, dando-nos oportunidade de ouvir algumas das suas mais belas canções.

 

Recordando Ruy Belo, Mário Viegas conduziu-nos por Santarém, terra onde o poeta viveu e estudou; por São João da Ribeira onde nasceu e quis ser sepultado, e por Vila do Conde, terra de gratas recordações do poeta.

 

Dizendo alguns dos seus mais expressivos poemas, Mário Viegas deu-nos a conhecer a poética de Ruy Belo, para mim, na altura, um quase desconhecido.

 

Depois veio a evocação de Fernando Pessoa, numa antiga casa em Campo de Ourique, vazia e abandonada, onde viveu o poeta. Através desta evocação, contactámos também os amigos de Fernando Pessoa, e ficámos alertados para a necessidade de preservar os “lugares sagrados” que são os pousos dos poetas.

 

Mário de Sá Carneiro foi relembrado entre um cenário insólito, como insólita foi a sua vida, vivida em grandes tormentos.

 

Um dos programas mais vibrantes foi o dedicado a Almada Negreiros, no Teatro da Casa da Comédia, onde Mário Viegas além de recordar essa figura ímpar da Cultura Portuguesa, leu, com extraordinário fulgor, como só ele sabia, o célebre Manifesto Anti-Dantas, uma obra-prima do humor culto português.

 

De seguida, do Alto de Santo Amaro, tendo como cenário de fundo a cidade de Lisboa, Mário Viegas falou-nos de Cesário Verde, “o poeta de todos os poetas”, conforme ele próprio referiu. Momentos inesquecíveis e de rara sensibilidade e beleza.

 

...

 

A crónica que dediquei a Mário Viegas e ao seu programa terminei-a assim: «Por tudo o que me tem dado, pela fuga que me proporciona, agradeço publicamente a Mário Viegas, as palavras dos nossos poetas, às quais ele incute com a sua arte de bem dizer um inspirado sopro de vida, fazendo renascer cada poeta, em cada poema, a cada momento.»

 

Para que Mário Viegas tivesse conhecimento dessa homenagem que lhe prestei, enviei-lhe pelo correio o jornal, onde ela foi publicada.

 

Passado uns tempos, ele escreveu-me um postal, a agradecer-me, onde contava que estava a escrever-me de “fofo” para o ar, porque partira um pé, uma costela e uma vértebra, numa queda que dera, quando andava a fazer quatro peças em dois teatros diferentes. E numa dessas correrias...

 

...

 

No dia 19 de Março de 1991, veio à Póvoa de Varzim, fazer uma palestra, convidado pela Cooperativa «A Filantrópica» no tempo em que era seu director o Luís Alberto Oliveira. Sabendo da minha admiração pelo Viegas, o Luís convidou-me para o jantar que aquela instituição cultural ofereceu ao convidado.

 

 

 

 

É a fotografia desse jantar que aqui reproduzo, estando de frente o Mário Viegas, junto do actor João Nuno Carracedo, que por sua vez está ao lado do pintor poveiro Francisco Nova. De costas, estou eu (a da trança) a iniciar um brinde, a Maria da Luz, mulher do Luís Alberto, que está a seu lado.

 

Hoje, passados 14 anos sobre a sua morte, recordo-o com muita saudade.

Este é  o meu contributo para que Mário Viegas, apesar de já ter partido, esteja sempre entre nós.

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 09:28

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Sábado, 12 de Dezembro de 2009

«Os Mal-Amados», livro de Fernando Dacosta

 

Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
 
No dia do seu aniversário, a minha modesta homenagem, Fernado Dacosta.
 
 
Parabéns Fernando Dacosta!
Em 12 de Dezembro de 1945, nasce em Caxito, Angola, completando precisamente hoje, 64 anos.
Não conheço pessoalmente Fernando Dacosta. Só de nome. E que nome! Só da obra. E que obra! Um dia, talvez, me depare com ele, algures, num lugar de livros, e então, se ele não for vedeta (como penso que não será, porque quem é grande não precisa dessas coisas menores, como muitos que eu já tive o desprazer de conhecer), aproximar-me-ei dele e agradecer-lhe-ei a estética das palavras que deixou escritas nos seus livros, para meu deleite.
Sou uma leitora compulsiva. Tenho sempre uma montanha de livros à espera de serem lidos, mas nem sempre as coisas correm conforme o meu desejo. Gostaria de ter mais disponibilidade para a leitura. Mas em mim, existe também o apelo da escrita, e todas as coisas menores de um quotidiano de mulher, em idade activa, confinada à casa, porque o mercado de trabalho para alguém que escreve é absolutamente nulo. Sim, pode escrever, mas de borla (dizem-me). De borla, como se alguém pudesse alimentar-se de “borla”! O que me vale são algumas traduções e revisões tipográficas que dão para o vício: a compra de livros.
Se temos um livro para publicar, há que pagar a edição, com dinheiro que ainda não ganhámos. Talvez sejamos os únicos “obreiros” em Portugal (nos países com gente inteligente dentro, não é assim) que têm de pagar o que produzem, a “patrões”, que só mais tarde, (e é preciso andar a mendigar dois, três anos) nos dão uma migalhinha do produto desse trabalho, que, por vezes, demora anos a executar. E a sensação com que ficamos é a de que pegue lá uma esmolinha, e que seja pelas alminhas do purgatório! Quando for para o Céu, Deus Nosso Senhor a recompensará! O trabalho de criação é nosso, mas temos de pagá-lo, ao contrário das coisas normais. Isto é imoral, mas é a realidade portuguesa dos desapadrinhados da Literatura. No entanto, na primeira, quem quer cai, na segunda cai quem quer. Continuo a aguardar tempos mais inteligentes.
Daí sentir-me também mal-amada!
Mas quem sou eu, comparada com os mal-amados sobre os quais Fernando Dacosta fala no seu belíssimo livro? Não sou ninguém! E isso que importa? Nada, também!
No entanto, não é de mim, nem da minha marginalidade, como autora, que venho aqui tratar. Quero falar de Fernando Dacosta. Deste seu livro, em particular, que me deu um especial prazer a ler, e da sua escrita límpida, irrepreensível, fora da norma actual, que é a má escrita que por aí prolifera. Mas é essa má escrita que vende, e são os próprios agentes da cultura (os editores) que investem e promovem essa mediocridade. Logo ninguém se admire do estado da Nação.
 
 
Só agora tive oportunidade de ler «Os Mal-Amados» (que ficou em espera desde 2008), versão recriada do «Nascido no Estado Novo» (2001). Gosto de livros que falem de homens e de mulheres que deixam um rasto luminoso, por onde passam, e são esses, quase sempre os mal-amados.
Fernando Dacosta, jornalista e escritor de grande mérito, também ele um ser luminoso, tem uma escrita escorreita, cristalina, sem falhas, sem erros, sem obscenidades (agora tão na moda). Palavras correctamente dispostas, com grande sensibilidade, para dizer de existências, de pensamentos, de histórias, de sentimentos, de saberes.
Em «Os Mal-Amados», Fernando Dacosta fala-nos de factos da nossa História, de personalidades que a marcaram, e com quem privou e bebeu-lhes a essência da sobrevivência, neste nosso país, que parece ter nascido malfadado, mas riquíssimo em existências, gestas e gestos valorosos, que poderiam colocar-nos nos píncaros, se o povo que aqui nasceu não se tivesse em tão má auto-estima, e deixasse de venerar a inferioridade que vem de além-fronteiras.
No livro de Fernando Dacosta, além de me deleitar com a leitura da Língua Portuguesa utilizada de um modo magnífico, fascinaram-me as confidências de personalidades que, cada uma ao seu jeito peculiar, contribuíram para acrescentar ao nosso já tão rico espólio (não importa qual) algo de muito invulgar, ou não fossem essas personalidades pessoas invulgares.
Algumas delas tive também o prazer de conhecer pessoalmente, como Agostinho da Silva e Mário Viegas, entre outros, e com os quais partilhei pequenos episódios pitorescos, que talvez um dia, me dê para divulgar. Mas antes tenho muito caminho pela frente, para poder chegar aonde chegam os grandes (se é que algum dia chegarei!); ou então como chegam os que têm vidinhas pequeninas e redondinhas para contar.
Dizia então que «Os Mal-Amados» é um livro que os amantes da leitura devem ler, por todos os motivos e mais um. E esse mais “um”, é o que diz Baptista-Bastos (também este um Grande Homem Português, do Jornalismo e das Letras), na badana do livro: «Grande jornalista (o Fernando), porventura o maior repórter da sua geração; trouxe a sensibilidade, o colorido, o lado humano, secreto, porventura quase insondável dos factos quotidianos».
Abriu-nos uma janela para uma paisagem grande do nosso País e de alguns dos protagonistas da nossa história comum.
Obrigada, Fernando Dacosta.
Parabéns pelo livro, e pelo aniversário.
 
Isabel A. Ferreira
 
 
publicado por Isabel A. Ferreira às 16:41

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