Sábado, 12 de Janeiro de 2013

«Ainda sobre as touradas: O problema da compaixão selectiva»

 

 

 “A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de carácter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.” (Arthur Schopenhauer)

 

Recebi um comentário do Ruben Figueiredo, que irei responder aqui e deste modo, porque o espaço que tenho no lugar dos comentários, é demasiado “apertado”, para o que tenho a dizer, de uma vez por todas, porque já estou farta da IGNORÂNCIA, da ESTUPIDEZ e da ILITERACIA dos aficionados.

 

***

 

Ruben Figueiredo, deixou um comentário ao comentário Se os aficionados são "amigos dos animais, a amizade perdeu todo o seu significado original às 13:56, 2013-01-12.

 

«Todos nós temos o direito a expressar a nossa opinião, assim como todos nós temos o direito a não concordar com a opinião dos outros, assim sendo, a sua INFELIZ opinião, leva a que se crie este burburinho.

 

Da mesma maneira que expressou a sua opinião e semelhante afecto pelos animais que Hitler (diz você), espero que não o faça no anti-semitismo fanático, racismo e xenofobia.

 

Uma coisa lhe digo é FEIO muito FEIO comparar o que quer que seja a HITLER, e quando alguém o faz ou é por desconhecimento das atrocidades cometidas ou por estupidez.

 

Após ler a sua biografia descartei imediatamente o desconhecimento, logo só fica a ESTUPIDEZ.

 

Creio que não tenha ascendência Judaica, Eslava, nem Cigana, assim como não deve conhecer ninguém com deficiência física ou mental, porque entre os mais de 20 milhões vitimas, do que tinha a vantagem de ser vegetariano, estes foram os mais perseguidos.

 

Pelo menos ele era vegetariano e não fingia gostar de animais. Como você conheço muita gente, pessoas que têm a maior estima pelos animais, defendem-nos acima de tudo e de todos e são capazes de grandes sacrifícios por eles, mas também de entre essas pessoas conheço gente que não dá a mão a quem necessita só por ser desconhecido, mas são capazes de encher a casa de animais abandonados para não terem de ir para o canil e provavelmente serem abatidos.

 

Creio que você não seja assim, mas quem sabe (!), também diz que gosta de animais(?) como o HITLER. Por fim, eu gosto de animais e não sou vegetariano. Gosto de comer um bom bife de vaca e o princípio das Touradas está errado, mas eu gosto de Touradas.

 

Mas de uma coisa pode estar certa, prefiro ser um insensível amante de Tourada, que alguém que defende algo tão cegamente que é capaz de usar o mais ESTÚPIDO dos argumentos. Só faltou dizer que pelo menos o HITLER não era tão mau como o Mao Tsé-tung.»

 

***

 

Eis o que tenho a acrescentar ao que já escrevi, como RESPOSTA ao Ruben, à prótoiro, e a todos os comentadores aficionados, que se deram ao trabalho de lançar palavras ao vento, na página onde tive tratamento VIP.

As palavras que se seguem poderiam ser as minhas, mas são de outro alguém que, tal como eu, tem uma perspectiva filosófica acerca da raiz do mal, inerente à tauromaquia.


E é aqui que entra Hitler e o seu instinto maligno, utilizado nos seres humanos, o mesmo que os tauricidas transpõem para os seres não-humanos.

***

Ainda sobre as touradas: o problema da compaixão selectiva

 

 

Batalhão de Polícia 101

 

No seu excelente livro sobre os "executores voluntários", Daniel Goldhagen refere, no início do Cap. VIII, o caso do Major Trapp, do Batalhão de Polícia 101 (o original verídico e documentado para alguns dos mais atrozes episódios recriados nas Bienveillantes, de Littell), que, tendo já averbado mais de vinte mil mortos na sua orgulhosa Judenjagd (sem poupar sequer as crianças), um dia chora por ter que executar, em represálias, alguns reféns polacos não-judeus.

 

Tinha sido condicionado a desumanizar os judeus, que para ele e para os seus homens eram portanto caça livre. Não tinha sido condicionado da mesma forma para as populações não-judias dos países ocupados, pelo que a ordem de fuzilamento mexia profundamente com os seus sentimentos.

 

 Sem muita ênfase, Goldhagen classifica a situação como de "compaixão selectiva".

 

Aqueles que conseguem estabelecer fronteiras nítidas no sofrimento são capazes das piores brutalidades tanto para lá como para cá dessas fronteiras: é uma advertência que surge nítida, por exemplo, já em Marco Túlio Cícero, e que Immanuel Kant celebrizou com a ideia de "deveres indirectos" para com os animais não-humanos. A nossa moralidade, ou se quisermos a nossa "humanidade", afere-se pelo modo como a nossa compaixão se espraia até aos confins do sofrimento, sem estabelecer demarcações. Aquele que assiste com deleite a uma tourada, aquele que não se condói com a fome de um cão, aquele que não se revolta contra a pancadaria com que se "mói" a "teimosia" de um burro – está já a demonstrar, por muito pouco que tenha a consciência disso, a sua capacidade de compaixão selectiva, a sua capacidade para se insensibilizar a formas nítidas de sofrimento.

 

Aqui alinho sem hesitar com Immanuel Kant: nada há a impedir que esses que demonstram compaixão selectiva para com os não-humanos o façam também com os humanos – porque é sempre e em todos os casos de sofrimento, de um contínuo de sofrimento, que se trata.

 

Só por condicionamento cultural (suprema perversão) isso pode acontecer. Uns chamam em seu apoio a tradição, e julgam que a tradição é um bom argumento. Pois foi também por apelo a uma tradição, de "pureza de raça", incessantemente reiterada, inculcada nos espíritos, glorificada e mitificada, que se iniciou o processo que culminou, em Outubro de 1942, em Kock, a norte de Lublin, na Polónia, com as angústias selectivas do Major Trapp e dos esbirros do Batalhão de Polícia 101.

 

KANT (1)

 

 

«Porque o facto de ele possuir uma razão não o eleva nada, quanto ao seu valor, acima da animalidade, se ela não deve servir-lhe senão para aquilo que, nos animais, ressalta do instinto» – Immanuel Kant, Kritik der praktischen Vernunft

 

KANT (2)

 

 

«Os vícios emergem geralmente da violência cometida contra a natureza pelo estado civilizado, e no entanto o nosso destino de homens é o de sairmos do estado natural de barbárie inerente à nossa animalidade. A arte perfeita regressa à natureza» – Immanuel Kant, Über Pädagogik

 

KANT (3)

 

 

«Relativamente à parte da criação que é viva apesar de desprovida de razão, a violência mesclada de crueldade no modo de tratar dos animais é ainda mais profundamente contrária ao dever do homem para consigo mesmo, visto que isso entorpece no homem a simpatia para com o sofrimento daqueles, enfraquece e paulatinamente aniquila uma disposição natural, muito proveitosa para a moralidade na relação com os outros homens – ainda que, entre outras coisas, seja consentido aos homens matar os animais de uma forma célere (sem tortura), ou impor-lhes um trabalho (já que os próprios homens têm que se lhe submeter) na condição de que ele não exceda as suas forças; em contrapartida há que condenar as experiências no decurso das quais os animais são martirizados por meros objectivos especulativos, quando se poderia atingir os mesmos fins sem recorrer a elas» - Immanuel Kant, Die Metaphysik der Sitten, II. Metaphysische Anfangsgründe der Tugendlehre

 

CÍCERO

 

 

«Que prazer pode um homem civilizado retirar do espectáculo de um fraco ser humano a ser dilacerado por um animal poderoso, ou de um esplêndido animal a ser trespassado por uma lança?» – Marco Túlio Cícero, Ad Familiares, Scr. Romae a.u.c. 699. (= 54 a.C.)

 

Fonte: http://jansenista.blogspot.pt/2010_08_01_archive.html

 

***

Compreenderam? Não? Lamento muito.

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 19:58

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