Quinta-feira, 2 de Julho de 2015

«QUERIDOS DEFENSORES DA QUEIMA DO GATO»

 

Um excelente texto de uma magnífica jornalista

 

QUEIMA DO GATO.png

Por Filomena Marta

 

(Dedicado muito especialmente a Eduardo Cintra Torres, à CMTV e ao seu dedicado pivot João Ferreira, que até mencionam sociologia e simbologia, como se soubessem com propriedade do que estão a falar)

 

Ora vamos lá ser politicamente incorrectos! Queimar gatos, enterrar galos vivos, lançar cristãos aos leões, queimar bruxas na fogueira, chicotear escravos, enterrar farpas em touros, matar elefantes e rinocerontes pelo marfim e chifres, comer gatos e cães (e outros animais), esfolar animais vivos para lhes tirar o pêlo, espancar focas até à morte, chacinar golfinhos e outras atrocidades NÃO É TRADIÇÃO, É ESTUPIDEZ E DESUMANIDADE.

 

O que na verdade está a tornar-se tradição é usar a palavra tradição como desculpa para as mais variadas barbaridades, próprias de idades medievais, de idades das trevas, quando o Homem era inculto, analfabeto, iletrado, alarve, porco, tinha piolhos e comia com as mãos.

 

O que teimam em fazer, analfabetamente, é confundir tradição com tradicionalismo, sendo este o “apego às tradições ou aos usos antigos; doutrina que faz da tradição a fonte e o critério da verdade”.

 

Os tradicionalistas são os partidários do tradicionalismo, não da tradição no que realmente refere o seu conceito. A tradição, na sua génese, evolui pari passu com a evolução dos povos. Foi essa evolução da tradição que terminou com fenómenos bárbaros como a escravatura, a queima das bruxas, a morte dos cristãos na arena e irá inevitavelmente terminar com fenómenos tradicionalistas que perduraram até aos nossos dias e que cada vez mais são renegados pelas sociedades evoluídas, como as touradas e os maus-tratos contra pessoas e animais. Ficam assim pequenas ilhas de tradicionalistas, que recusam a evolução usurpando para isso a palavra “tradição”.

 

“O gato não morreu” é a frase emblemática que parece coroar a diversão mal disfarçada de criaturas pouco lúcidas e ainda menos racionais que abusam de um meio como a televisão para defender o indefensável. Para mais enganando o público, deliberada e estupidamente, pois apresentam duas imagens totalmente díspares e diferentes daquilo que supostamente seria o mesmo gato: o usado e fotografado dentro do pote de barro com a boca tapada com rede para que o infeliz animal não possa escapar, que é claramente um gato preto e branco, e o gato supostamente sobrevivente incólume da barbárie, filmado numa atitude tranquila e feliz, e que é claramente um colorpoint, ou seja, um gato de pelagem parecida com a raça siamesa. A isto, meus senhores, chama-se aldrabar, atirar areia para os olhos e tapar o sol com a peneira. Apanha-se muito mais depressa um mentiroso do que um coxo, já diz o povo e aí sim, com a sabedoria da tradição.

 

Mas antes de passar para a discussão sobre a tradição propriamente dita, e a forma como está a ser desavergonhadamente usurpado e deturpado o seu significado, passemos em revista as alarvidades ditas pelos habitantes da já tristemente famosa Vila Flor (ou nas sábias palavras do pivot da CMTV “a indignação das pessoas desta localidade com a reacção de crítica generalizada” (nota prévia: se é uma crítica generalizada serão estes habitantes trogloditas que estão certos e todos os outros milhares de pessoas estão erradas?):

 

“Emprestei porque é uma tradição e gosto”.

 

“Nunca ninguém matou um gato, às vezes o gato vinha assim um bocadinho chamuscado, mas quase nada… o meu por acaso nunca “vieram” (atente-se ao “meu” e “vieram”) e eu não tive problemas em emprestar o gato (atente-se ao “emprestar”), porque o gato ninguém lhe faz mal ao gato.”

 

“A queima do gato que é uma tradição que já vem dos meus pais, dos meus avós, a gente nem sabem quando é isto vem… e nunca tivemos problemas.”

 

“Para mim é uma tradição, num é? (algo imperceptível) não morre, o gato não “morrem” (mais qualquer coisa imperceptível) é a queima do gato, mas o gato não morre, o pote cai ao chão e escapa-se… ao saltar pó chão… ao cair o… tá metido dentro do barro, num é? Portanto ao chegar ao chão (mais umas coisas atrapalhadas) aquilo parte e o gato raspa-se logo.”

 

“Atão não morrem… atão se morressem não tinha graça nenhuma, porque o que mete graça é a gente andar ali perto do gato e ele, e ele a a fugir…”

 

E vai daí diz o sorridente pivot: “(…) e o Eduardo tem aqui uma expressão muito engraçada, ‘as redes sociais em fogo queimaram mais os foliões do que os foliões o gato’…”

 

Sorrisos, expressões engraçadas e foliões, eis várias coisas que colidem com uma questão grave, por muito politicamente correctos que desejem ser, por muito insensíveis que se queiram assumir, por muito inteligentes que queiram parecer, com assumpções de sabedoria sociológica e simbólica. Estas demagogias caem por terra apenas com a simples frase “atão se morressem não tinha graça nenhuma”, o que explica liminarmente que esta é uma questão de pura diversão. Ninguém sabe por que é feito, é feito porque sim, porque nem se sabe quando começou, porque os diverte. Expliquem os sábios pivots, comentadores e sociólogos onde se encaixa a “tradição” nisto.

 

Nenhum animal, incluindo o ser humano, reage bem ou prazerosamente a estas quatro coisas, isoladamente e muitos menos simultaneamente: ser enfiado num recipiente encurralado de forma a não poder escapar, sofrer uma queda abrupta de grande altitude, seguida de um estrondo violento e estilhaçar do recipiente onde está encurralado, ter fogo no corpo. É TÃO SIMPLES COMO ISTO! Não existe qualquer ser vivo senciente que retire prazer de uma situação destas, e todo e qualquer ser vivo senciente sente medo, terror e fica traumatizado com uma situação destas.

 

Se fizessem isto a qualquer um dos habitantes alarves e acéfalos desta localidade, gostaria de ver qualquer pessoa - jornalistas, comentadores, sociólogos e simbologistas incluídos, e até os desafio a fazê-lo - a dizer que essa criatura (mesmo acéfala como demonstra ser) não sofre.

 

Mas claro que, ainda por cima, se deve juntar a isto a particularidade de a criatura não o fazer por vontade própria, mas sim porque é enfiada à força e obrigada a sofrer o suplício. Ou vão dizer a seguir que o gato entrou sozinho no pote (e a rede presa à boca do pote é só para o aconchegar), e ronronou de prazer antecipado, sabendo perfeitamente o que lhe ia acontecer?

 

Só uma pessoa totalmente desprovida de cérebro pode defender uma coisa destas, atribuindo-lhe estatuto de tradição.

 

Que fique bem clara a definição de tradição, que em rigorosamente nada se enquadra em rituais macabros de divertimento colectivo… pois então terão também de considerar a bruxaria e o voodoo como “tradições”.

 

“Tradição: (do Latim traditione, entrega), s. f. acto de transmitir ou entregar; transmissão oral de lendas, factos, etc., de pais para filhos; transmissão de valores espirituais de geração em geração; conhecimento ou prática que provém da transmissão oral ou de hábitos inveterados; hábito; uso; notícia de um facto transmitido oralmente ou por testemunho que livros, sucessivamente publicados, confirmam; recordação; memória.”

 

Uma tradição explica-se. Uma tradição é referenciável no tempo. Mesmo que queimar um gato um dia tivesse sido uma tradição, a partir do momento em que a memória se esvai e se perde o sentido e significado essa tradição está morta. A partir daí torna-se apenas e tão só um acto de pura diversão e entretenimento macabro de populações retrógradas e desprovidas de cultura e inteligência.

 

in

http://animasentiens.com/queridos-defensores-queima-gato

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:03

link do post | Comentar | Ver comentários (4) | Adicionar aos favoritos (1)

Mais sobre mim

Pesquisar neste blog

 

Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
14
15
16
17
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

«QUERIDOS DEFENSORES DA Q...

Arquivos

Março 2024

Fevereiro 2024

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Agosto 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Agosto 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Direitos

© Todos os direitos reservados Os textos publicados neste blogue têm © A autora agradece a todos os que os divulgarem que indiquem, por favor, a fonte e os links dos mesmos. Obrigada.
RSS

AO90

Em defesa da Língua Portuguesa, a autora deste Blogue não adopta o Acordo Ortográfico de 1990, nem publica textos acordizados, devido a este ser ilegal e inconstitucional, linguisticamente inconsistente, estruturalmente incongruente, para além de, comprovadamente, ser causa de uma crescente e perniciosa iliteracia em publicações oficiais e privadas, nas escolas, nos órgãos de comunicação social, na população em geral, e por estar a criar uma geração de analfabetos escolarizados e funcionais. Caso os textos a publicar estejam escritos em Português híbrido, «O Lugar da Língua Portuguesa» acciona a correcção automática.

Comentários

Este Blogue aceita comentários de todas as pessoas, e os comentários serão publicados desde que seja claro que a pessoa que comentou interpretou correctamente o conteúdo da publicação. 1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome. 2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico. Argumente e pense com profundidade e seriedade e não como quem "manda bocas". 3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias. Serão eliminados os comentários que contenham linguagem ordinária e insultos, ou de conteúdo racista e xenófobo. Em resumo: comente com educação, atendendo ao conteúdo da publicação, para que o seu comentário seja mantido.

Contacto

isabelferreira@net.sapo.pt