Domingo, 1 de Fevereiro de 2015

O Culto do Touro (ou Boi) Ápis no Antigo Egipto

 

«Mais tarde vieram os Espanhóis que espalharam pelo mundo o culto das atrocidades contra os bovinos… e chamaram-lhe “corridas de touros”, e os Portugueses, que adoram importar tudo o que de mau se faz lá fora, adoptaram esses bárbaros costumes, chamaram-lhe “tradição” e “identidade cultural” e agora acham – porque não sabem pensar – que torturar touros é “arte” e “cultura”. Depois não gostam que lhes chamem broncos.» (Isabel A. Ferreira)

Boi Ápis.jpeg

 

 O mais venerado e o mais célebre dos animais sagrados é, sem nenhuma dúvida, o Touro Ápis (Hep em egípcio). Os antigos egípcios consideravam-no como a expressão mais completa da divindade sob a forma animal e representaram-no muitas vezes como, por exemplo, nesta estatueta (…).

 

Diferentemente de outras divindades, era sempre representado na forma animal e nunca na forma humana com cabeça animal. Ele encarnava, ao mesmo tempo, os deuses Osíris e Ptah. O culto do touro Ápis, em Mênfis, existia desde a I dinastia pelo menos. Também em Heliópolis e Hermópolis este animal era venerado desde tempos remotos.

 

Antiga divindade agrária, simbolizava a força vital da natureza e a sua força geradora. Dizia a lenda que Ptah, sob a aparência de fogo celeste, engravidou uma vaca virgem que concebeu um touro preto, o qual se tornou o porta-voz ou o duplo de Ptah. Esse touro negro sagrado de Mênfis deveria ter certos sinais ou manchas: na fronte, uma mancha branca quadrada; no dorso, a figura de um abutre ou duma águia; sob a língua, um nó em forma de escaravelho; os pêlos da cauda numa mescla de branco e preto e, enfim, um crescente branco sobre o lado direito do corpo. Encontrado um bezerro com tais características pelos sacerdotes especiais chamados os Bastões de Ápis, o animal era conduzido a Mênfis em uma barca dourada e em grande pompa, depois de ter sido nutrido unicamente por mulheres durante 40 dias. Uma vez entronizado cerimoniosamente, vivia no seu santuário, ao lado do deus Ptah, a mais importante divindade menfita, da qual era tido como o arauto, a imagem viva. A sua mãe, um animal também reverenciado, era a sua esposa legítima, mas tinha também vacas concubinas cuidadosamente escolhidas.

 

Distribuía oráculos, recebia oferendas, participava de procissões. Um festival dedicado ao deus estendia-se por sete dias. O povo reunia-se em Mênfis para ver os sacerdotes conduzirem o animal sagrado numa procissão de louvor em meio da acolhedora multidão. Enquanto vivia era alimentado com iguarias, cumulado de honras. A partir do Período Saíta, iniciado em 664 a.C., os oráculos alcançaram grande popularidade. Um dos mais procurados era justamente o do touro Ápis, em Mênfis. Além de se acreditar que qualquer criança que aspirasse a respiração do animal seria capaz de predizer o futuro, também se interrogava o próprio touro. O indivíduo que consultava o oráculo postava-se diante do animal e fazia a sua pergunta. A resposta do deus que o animal encarnava podia vir de várias maneiras. Por exemplo, o bovino podia aceitar ou não a comida que lhe ofereciam; podia, também, entrar ou não em uma determinada sala e cada uma de tais atitudes seria um agouro bom ou mau, conforme estabelecido anteriormente pelos sacerdotes.

 

Ao morrer, era mumificado, fechado num sarcófago, submetido a ritos funerários que se estendiam por 60 dias, tomava lugar numa tumba, ao lado de seus predecessores, enfim, era enterrado como se fosse um príncipe. Quando um dos animais sagrados morria — diz-nos o historiador grego, Diodoro de Sicília — era envolvido num sudário; e, golpeando-se o peito e lançando gemidos, conduziam-no à casa dos embalsamadores. Logo se preparava o seu corpo com o azeite de cedro e outras substâncias adequadas à conservação; era depositado depois em caixas sagradas.

 

Nessa ocasião, o povo inteiro ficava de luto, que só cessava quando os sacerdotes encontrassem um touro com as mesmas características daquele que havia falecido. Um templo menfita que abrigava grandes estelas de alabastro era o local no qual os touros eram embalsamados. Após a preparação do corpo e dos órgãos internos, o animal, numa posição agachada, era envolto em intrincadas bandagens. Eram inseridos olhos artificiais, o seu chifre e face ou eram dourados ou cobertos com uma máscara de folhas de ouro e o animal era coberto com uma mortalha. (…)

 

O túmulo mais antigo dessa divindade encontrado intacto é do reinado do faraó Horemheb (c. 1319 a 1307 a.C.), sendo a múmia bastante atípica. Era constituída apenas pela cabeça do touro, desprovida de carne e de pele, apoiada num grande bloco negro. Ao ser examinado, esse bloco mostrou ser um aglomerado de resina, ossos bovinos quebrados e fragmentos de folhas de ouro, tudo envolto em bandagens de fino linho. Os vasos canopos do touro estavam cheios de um material resinoso de origem não determinada. Escavando sob o piso da câmara mortuária, os arqueólogos encontraram uma dúzia de grandes vasos de barro não cozido contendo cinzas e ossos queimados. Como outros conjuntos similares de vasos também foram encontrados noutras tumbas do boi Ápis, alguns estudiosos afirmam que, pelo menos durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.), o corpo do animal era cozido e comido pelo faraó e sacerdotes antes do enterro. Haveria, talvez, uma conexão entre essa descoberta e o assim chamado Hino Canibal do Texto das Pirâmides, que se refere ao fato de o rei devorar os deuses para assimilar os seus poderes. Seja essa hipótese correcta ou não, nenhum outro animal sagrado parece ter sido devorado pelos seus antigos guardiães. Os touros Ápis subsequentes foram mumificados inteiros, e um papiro da XXVI dinastia descreve o método usado para isso.

 

Até à XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.) cada um desses touros sagrados tinha sua sepultura particular. Foi Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.), faraó já da XIX dinastia, quem mandou sepultá-los em uma câmara mortuária comum, conhecida como Serapeum, nome derivado da palavra grega Serápis, uma catacumba precedida por uma avenida de esfinges.

 

Estrabão, geógrafo grego, deixou na sua obra indicações precisas sobre a localização desse estranho cemitério e baseado em tais informações foi possível encontrar, na necrópole de Saqqara, numerosas múmias de touros sagrados. (…)

 

A câmara mortuária estava cavada depois de um corredor que penetrava 400 metros no rochedo. Em nichos, os touros repousavam em magníficos sarcófagos de granito escuro ou de quartzo amarelo e vermelho, os quais medem quatro metros de altura e pesam entre 60 e 80 toneladas. (…)

 

Um total de 24 sarcófagos dessa natureza foram encontrados nessas câmaras laterais que se abrem para o corredor principal cavado na rocha. Havia duas galerias abrigando os animais: a primeira, com comprimento de 68 metros, foi mandada construir por Ramsés II; a segunda, com 198 metros de comprimento, foi construída durante a XXVI dinastia (664 a 525 a.C.), em ângulo recto com a primeira.

 

O primeiro touro enterrado nessa segunda galeria morreu no ano 52 do reinado de Psamético I (664 a 610 a.C.) e o local continuou a ser utilizado até o período greco-romano. O culto do boi Ápis sobreviveu até que o imperador Honório o baniu e causou a destruição do Serapeum no ano 398 da nossa era. Como só havia um destes animais de cada vez, calcula-se que de 14 em 14 anos, aproximadamente, acontecia o funeral de um touro Ápis. Nenhuma múmia foi encontrada intacta, pois os ladrões de jóias passaram por lá. Escavações realizadas em 1964 trouxeram à luz galerias de vacas mumificadas, denominadas mães de Ápis, bem como de falcões, íbis e babuínos.

 

O autor da descoberta do Serapeum, realizada em 1851, foi o pesquisador francês Mariette, o qual, ao encontrar um desses túmulos escreveu admirado:

 

«Fiquei profundamente impressionado quando penetrei na sepultura do touro Ápis, que nenhum ser humano frequentara desde milénios... Mas que sorte! Ao fim de alguns dias, descobri um nicho murado que escapara às pesquisas dos pilhantes. Ramsés II fê-la murar, em 1270 a.C., conforme explica a inscrição. A marca dos dedos do egípcio que pôs a última pedra do muro vê-se ainda, nitidamente, sobre a cal, assim como a dos seus pés sobre um rastro de areia esquecida. Nada faltava nesse retiro fúnebre, onde um touro embalsamado repousava desde 4.700 anos.» (…)

 

Fonte

http://www.fascinioegito.sh06.com/boiapis.htm

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:01

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