Plaza de Toros de las Ventas
(Um texto que subscrevo inteiramente e que passo a transcrever com a devida vénia)
Por ANTÔNIO ALBERTO MACHADO
As touradas, ou a corrida de touros, como preferem os espanhóis, são uma espécie de símbolo cultural da Espanha. É pena, pois o símbolo da Espanha é o vigor e a energia ensolarada da sua gente; a sua história de coragem e de luta (pela conquista do território ibérico, pela independência do país, pela justiça social e pelo retorno da democracia); é o humanismo renascentista de Cervantes, Velásquez e Goya; a genialidade de Picasso; a alegria festiva de Madri com a sua vocação cosmopolita, a arquitetura exuberante do seu centro velho, os seus artistas de rua, a dança flamenca e muito mais.
As touradas são tradicionais, não há dúvida, mas não deveriam representar a Espanha nem o povo espanhol. A única coisa que salva das touradas é a beleza arquitetônica das Plazas de Toros. A de Madri, por exemplo, Plaza de las Ventas, é um dos mais belos monumentos da chamada arte mudéjar, isto é, a mescla da arquitetura gótica e românica com a árabe, o encontro artístico do Islã com o cristianismo.
De fato, a beleza arquitetônica da Plaza de las Ventas, dos seus arcos neogóticos e das colunas romanas convivendo harmonicamente com as abóbadas e os azulejos de óbvia influência mourisca, é um verdadeiro encontro do oriente com o ocidente, uma belíssima herança legada por mouros e cristãos, uma prova de que a humanidade é mesmo o produto do esforço conjunto dos povos, o resultado das diferenças e dos diferentes.
Mas, a arquitetura belíssima da Plaza de las Ventas nada tem a ver com a brutalidade praticada no interior da sua arena, com o espetáculo medieval da matança (e não corrida) de touros, com a crueldade e a insensatez cometidas contra animais verdadeiramente indefesos. Aliás, crueldade que se pratica sob os aplausos de uma turba ensandecida, idêntica àquela turba que na Roma antiga já delirava com a violência dos leões, com o sangue e com o morticínio estúpido dos gladiadores nas arenas dos teatros.
O espetáculo da arena de touros, em que se dá a tortura e morte sangrenta de um animal exaurido e desorientado, vítima de uma euforia impiedosa e histérica, é mesmo algo deprimente, indefensável. A luta entre o touro e o toureiro é uma luta desigual. E apesar de todo o respeito que inspira (e deve inspirar) a tradição ibérica, na verdade, essa luta está mais perto da covardia que da bravura, está mais para manobra embusteira que lealdade corajosa…
É uma prática tão intolerável que a Catalunha, por lei de iniciativa popular, já proibiu as touradas a partir do ano que vem. E neste domingo, 25 de setembro de 2011, a moderna Barcelona, apesar de toda a tradição espanhola e catalã, assistiu à sua última corrida de touros.
Neste mesmo domingo, por coincidência, depois de abandonar o espetáculo de touros logo nos seus primeiros minutos, e diante da monumental Plaza de las Ventas em Madri, foi realmente inevitável a lembrança daquela famosa expressão de Walter Benjamin: todo monumento de cultura é também um monumento de barbárie!
http://blogs.lemos.net/machado/2011/09/26/intoleravel/