Quinta-feira, 20 de Novembro de 2014

Dom João VI – Como um Príncipe Valente Enganou Napoleão e Salvou o Reino de Portugal e o Brasil (IV Parte)

 

IV e última parte

 

(Contestação do Livro «1808», de Laurentino Gomes)

(2ª edição corrigida e aumentada)

© Isabel A. Ferreira

 

(Este texto não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, por qualquer processo mecânico, fotográfico, electrónico, ou por meio e gravação, nem ser introduzido numa base de dados. Difundido ou de qualquer forma copiado para uso público ou privado, além do uso legal como breve citação em artigos e críticas, s em a prévia autorização por escrito da autora)

 

Dom João VI.jpeg

(Imagem © J. A. Ferreira)

 

13

DE COMO NÃO PODE HAVER REQUINTE LONGE DA CIVILIZAÇÃO

 

«Graças a D. João VI os estrangeiros descobriram o Brasil, ainda que com três séculos de atraso». Deste modo começa o capítulo 21, do «1808», intitulado «Os Viajantes».

 

Pergunto: quando alguém descobre que no seu quintal há um inesgotável tesouro enterrado, sai por aí a contar aos vizinhos cobiçosos, e abre o portão do quintal para que entrem e vão usufruir do seu tesouro?

 

A ideia seria essa. É condenável? Aos olhos da época não era. Os Portugueses, se não sabiam, suspeitavam de que o Brasil era um manancial de riquezas. Se alardeassem tal descoberta, os Ingleses, os Franceses, os Holandeses e os Espanhóis “caíam-lhe em cima”, como mais tarde veio a acontecer.

 

As crónicas dos viajantes da época valem o que valem. Muita subjectividade e parcialidade. Informações duvidosas. Se quisermos acreditar, acreditamos. Senão quisermos, procuramos outras fontes.

 

A Rose Marie, citada no livro, demonstra ter poucos conhecimentos de História, pois ao dizer que «pena que um país tão lindo (o Brasil) não seja colonizado por uma nação activa e inteligente» referindo-se a Portugal, e mais adiante: «Os brasileiros destacam-se pela abundância, mais do que pela elegância do serviço», mostra desconhecer a realidade da época. Será que essa senhora nunca teria visitado as colónias francesas, em África? Ela viu o que viu no Brasil. Contudo, era assim no Brasil e nas colónias dos outros povos, inclusive do seu próprio povo. Em algumas delas, bastante pior.

 

Longe da velha Europa, onde a civilização já ia bastante mais adiantada, quem poderia refinar-se? Quando estamos fora das nossas raízes, num lugar remoto e selvagem, que sentido teria o requinte? Lembremo-nos de que o Brasil, quando foi descoberto, era povoado aqui e ali por tribos indígenas, num estado primitivo, que surpreendeu os Portugueses, ainda que ditos ignorantes, por Laurentino Gomes. De facto, o Brasil era um território imenso e selvagem. Na Europa, foram precisos muitos séculos para se chegar ao requinte dos palácios. Como, nuns meros trezentos anos, poderia erguer-se uma corte luxuosa, numa terra ainda colónia e inexplorada?

 

Quando se refere no livro que Dom João se exibiu (no sentido pejorativo do termo) de coroa e ceptro, não fez mais do que aparecer aos seus súbditos, como era costume dos reis, de todos os reinos, desde tempos imemoriais.

 

É de lamentar que as fontes citadas (na esmagadora maioria inglesas) não apresentem uma visão global da época, e se refiram ao Brasil como um lugar de analfabetos, pobres e preguiçosos. A América espanhola, da época, poderia ser também desse modo caracterizada, bem como alguns estados norte-americanos do Sul, onde a exploração dos escravos foi sistemática e cruel, e as colónias dos Impérios Britânico, Francês e Holandês.

 

Para estas descrições humilhantes para a corte portuguesa e para o próprio povo português, tenho apenas três explicações: ignorância, preconceito e má vontade (para não lhe chamar xenofobia) das fontes.

 

No capítulo 24, intitulado «Versalhes Tropical», o que sobressai é o sarcasmo. Fala-se em monumentos falsos e efémeros (construídos no Rio de Janeiro) para celebrar a corte. Por que haveria o rei português de construir monumentos perduráveis, num país que, mais tarde ou mais cedo deixaria para trás? Veja-se os extraordinários monumentos, alguns deles, Património da Humanidade, construídos no pequeno e tão maltratado Portugal, para se aferir da grandiosidade e do bom gosto que predominavam na corte portuguesa, antes e depois de Dom João VI. De qualquer modo, os monumentos brasileiros, hoje classificados pela UNESCO como Património Mundial, são todos de origem portuguesa.

 

Se durante o reinado deste Dom João as coisas não correram tão bem, as circunstâncias que motivaram tal declínio e que não foram tidas muito (ou mesmo nada) em conta no livro «1808», daria para escrever outro livro.

 

***

14

DE COMO PORTUGAL NÃO PERDEU A HONRA NEM ESTEVE NUNCA ABANDONADO

 

O capítulo 25, de «1808», trata de «Portugal Abandonado».

 

Ora, enquanto a corte portuguesa permaneceu no Brasil, Portugal não esteve propriamente abandonado. Antes de partir, Dom João nomeou uma Junta de Regência, para substituí-lo na sua ausência. E o marechal irlandês Beresford, por decreto real de 7 de Março de 1809, foi nomeado generalíssimo do exército português, e comandou Portugal em nome do Príncipe (é preciso que isto se diga deste modo, não vá pensar-se que os Ingleses governaram Portugal, por moto próprio) e foi ainda Dom João que o mandou ocupar a Ilha da Madeira para que Napoleão não se instalasse nela.

 

Portanto, os Ingleses “governaram” Portugal, apenas porque Dom João o consentiu. É preciso dizer-se igualmente que os Ingleses apoiaram Portugal. Sim. Desinteressadamente? Claro que não. Os Ingleses (como qualquer outro povo, naquela época e em todas as épocas) nada faziam sem contrapartidas. E para não perder Portugal (para os Franceses e Espanhóis) e as suas colónias (para os Ingleses), Dom João viu-se obrigado a reduzir Portugal a colónia da antiga colónia (Brasil) elevada a reino. Tratou-se de um jogo se não bem planeado, pelo menos bem jogado. Uma boa estratégia política para manter o reino e a coroa.

 

Tudo tinha (e continua a ter) o seu preço: ficar tinha um preço; partir tinha outro preço. Partir traduzia-se na esperança de manter a grande colónia brasileira e a integridade da soberania real. Contudo, devido às circunstâncias da época, esta opção significava também a guerra com a França (Portugal sofreu três invasões, todas repelidas pelos ditos fraquinhos portugueses) e a dependência de Inglaterra, evidenciada na abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, nomeadamente aos Ingleses (os que mais lucraram).

 

Tanto na partida para o Brasil, como no regresso a Portugal o medroso Dom João só demonstrou coragem.

 

Entretanto o país esteve a saque. Sim. E os civilizados franceses roubaram e destruíram tudo o que puderam. Chegaram até a saquear e a mutilar os magníficos túmulos de Dom Pedro e de Dona Inês de Castro, que se encontram no não menos magnífico Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, Património da Humanidade, construído pelos monges Cistercienses, no século XII.

 

***

15

DE COMO DOM JOÃO VI NÃO SE LIVROU DE SER HUMILHADO

 

No capítulo 26, «O Retorno», Dom João é novamente humilhado desnecessariamente, desta vez, pelo ilustre historiador José Honório Rodrigues, que diz: «D. João prestou o juramento (da nova Constituição) a meia voz, balbuciante, com aquela covardia que lhe era própria». Penso que covardia é um termo muito forte e desajustado ao momento. De regresso ao seu reino, fragilizado pelas circunstâncias, a palavra mais correcta para definir o estado de espírito de Dom João seria certamente desânimo. Dom João regressou a Portugal contrariado, velho e cansado de uma viagem que, na altura, não se desejava nem aos inimigos. Por ele, tinha ficado no Brasil. Politicamente as coisas não iam bem. Além disso, era um homem essencialmente tímido. Sempre houve e haverá homens assim (tímidos). A timidez não implica, necessariamente, covardia. Se formos ler a biografia de grandes músicos, grandes actores, grandes pintores, grandes reis, grandes escritores, encontramos o adjectivo tímido demasiadas vezes. Então por que rotular o desventurado Dom João com essa alcunha de má catadura? No entanto, foi este covarde o único monarca da Europa e arredores que teve a coragem de enganar Napoleão, conforme o próprio Napoleão admitiu.

 

Então o que, neste capítulo, diz Oliveira Martins (um vencido da vida, pessimista por vocação e anti-monárquico) é intolerável: «Já velho, pesado, sujo, gorduroso, feio e obeso, com o olhar morto, a face caída e tostada, o beiço pendente, curvado sobre os joelhos inchados, balouçando como um fardo (…) (D. João) era (…) uma aparição burlesca». Laurentino Gomes deveria saber “peneirar” as suas fontes.

 

Nunca vi destilar tanta intolerância por um ser humano. Simplesmente por ele ser Rei, e o cronista, socialista republicano? Desconfio sempre das fontes que têm cor política. Ainda hoje se mantém essa mentalidade pequena, de não aceitar o passado, tal como ele foi. Há pouco tempo, a 1 de Fevereiro de 2008, aquando da passagem dos 100 anos sobre o assassinato do rei Dom Carlos I e de seu filho, o Príncipe herdeiro Luís Filipe, o muito democrático governo português recusou-se a fazer um minuto de silêncio, na Assembleia da República, por tão trágico acontecimento. De um gesto de solidariedade, a título póstumo (que não ficava mal a ninguém), por alguém que fez parte da nossa História e foi assassinado, passou-se a um acto político despropositado e pouco recomendável. Mas as democracias têm destas coisas menos democráticas e impolidas.

 

Diga-se igualmente, que a República Portuguesa, teve na sua génese um duplo assassinato, facto que nada abona a seu favor.

 

Regressando à descrição de Oliveira Martins: bastava a Dom João ser velho, para tudo o resto se apresentar desnecessário. Depois de 68 dias de uma viagem de barco, não propriamente, num paquete de luxo, onde tudo faltava, até a água, para lavar a roupa, como deveria aparecer um viajante, ainda que Rei? Feio e obeso. Seria Oliveira Martins considerado um homem bonito? Quantos reis obesos existiram na História do mundo? Beiço pendente? Se Dom João tinha o beiço pendente, o que dizer dos lábios do seu cavalo? Enfim, não é descrição que se faça, a não ser que se pretenda ridicularizar a personagem, por uma qualquer rejeição mental. E ao utilizar-se esta fonte no livro «1808», o que se pretendeu? É uma pergunta que deixo para ser reflectida.

 

Imaginar o que teria sido o Brasil se fosse colonizado por outro qualquer povo seria um exercício fascinante, mas totalmente improdutivo. O Brasil gostaria de ser os Estados Unidos da América do Sul, a exemplo dos Estados Unidos da América do Norte? Quando vivi no Brasil aprendi duas expressões muito interessantes, que ainda hoje aplico, quando é preciso: macaco de imitação e imita macaco. Não queiram os Brasileiros ser uma coisa nem outra.

 

Não devemos nunca tentar ser o que os outros são. Tentemos ser únicos. O Brasil tem todas as possibilidades, tem tudo para ser um grande país. Um país único. Por que não é?

 

Talvez um dia eu responda a esta pergunta.

 

***

16

DE COMO OS BRASILEIROS DEVERIAM ORGULHAR-SE DAS SUAS ORIGENS

 

Os Brasileiros deveriam orgulhar-se das suas origens. Inclusive da sua costela indígena e africana. Gente com uma cultura e língua muito ricas. Quem renega o seu passado, renega-se a si mesmo. Não sei se nas minhas veias corre sangue daquele povo selvagem que invadiu a Península Ibérica – os Vândalos (hoje um termo muito depreciativo). Quem sabe? Se nas minhas veias corre sangue dos Vândalos, como posso apagar esse passado, que foi meu? O que tenho a fazer é construir algo melhor, para redimir os erros que esses meus antepassados cometeram, e trazê-los de volta à História, reabilitados. Se eu não evoluir, a culpa não será nunca dos Vândalos.

 

Se o Brasil não evoluir para um grande país, a culpa não será nunca desses antepassados portugueses, que no livro «1808», tão insistentemente foram pequenos, desorganizados, analfabetos, incultos, gordurosos, feios, obesos…

 

O capítulo 27, «O Novo Brasil», termina com a seguinte ideia: «Heranças mal resolvidas em 1822, todos esses problemas permaneceriam, nos duzentos anos seguintes, a assombrar o futuro dos Brasileiros – como fantasma de um cadáver insepulto» (agora digo eu), do qual (cadáver) as novas gerações de brasileiros nunca conseguiram, até aos dias de hoje, libertar-se. Pergunto: por quê?

 

No entanto, o legado português no mundo é vastíssimo. O mundo não seria o que é hoje, se o pequeno e dito ignorante povo português não tivesse navegado por mares nunca dantes navegados, e inventado instrumentos e artes de marinhagem. Em todos os continentes, Portugal marca presença. Nuns mais, noutros menos, há sempre um pequeno vestígio (agora até na Austrália) que nos fala da presença ou da influência do pequeno e dito ignorante povo português. Monumentos, indícios arquitectónicos e linguísticos, marcas históricas, que fazem parte do imenso património cultural que Portugal espalhou um pouco por todo o mundo.

 

Isto não é coisa pouca! Isto não é de um povo pequeno!

 

É algo que os Portugueses, apesar de não serem isentos de culpa em muitas das coisas que fizeram, e de terem protagonizado muitas tragédias, não devem esquecer. Pelo contrário, devem orgulhar-se do que foram.

 

Do que são hoje, nem tanto. Houve um acentuado retrocesso. Admito.

Mas como Portuguesa, devo defender a honra e o prestígio de um Portugal politicamente grande que já existiu, e lamentar o facto de não existir mais.

 

À parte a sua política actual desastrosa, Portugal é feito de belas paisagens de água, como as do Oceano Atlântico e das suas ondas ora poderosas, ora mansas, a beijar-lhe a costa, pontilhada de recantos paradisíacos, de areais imensos, e de penedias, sobre as quais voejam as gaivotas; como as dos rios que serpenteiam por entre vales e planícies verdejantes e majestosas montanhas; e as dos barcos que descansam nas águas, ao entardecer.

 

Portugal é feito de paisagens de campo, de paisagens citadinas, belas e coloridas, como a magnífica cidade do Porto, Património Mundial, com o seu casario a escorrer para o rio, onde os barcos rabelos emprestam um ar bucólico à foz do Douro, e que o Sol poente matiza das mais variadas cores.

 

Portugal é feito de aldeias e vilas antigas, casas senhoriais, palácios, castelos altaneiros, lugares que ainda conservam a essência das suas origens, monumentos fabulosos, uma arte requintada, como o Estilo Manuelino (uma variação portuguesa do Gótico) que surpreende pela sua beleza, e a admirável azulejaria que ainda pode ser apreciada na fachada das casas de muitas localidades.

 

Portugal é feito da música das guitarras de Coimbra ou do fado de Lisboa (recentemente considerado Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO); é feito de muitas cores, de muitos verdes, de Sol e das palavras luminosas dos seus poetas.

 

Portugal é um paraíso, onde poderíamos viver placidamente, não fosse o recuo civilizacional, em que os governantes posteriores à época relatada no «1808» o mergulharam.

 

Se hoje não somos um povo maior, a políticas erradas o devemos, mas nunca, nunca a Dom João VI, que escreveu certo por linhas tortas, páginas brilhantes da nossa História, em que se conta como foi o único monarca europeu a enganar o todo-poderoso Napoleão Bonaparte, evitando, desse modo, que Portugal caísse nas mãos de outros povos e, porventura, se transformasse numa região espanhola e, desse modo, perdesse a identidade Portuguesa.

 

E isso não é coisa pouca.

29 de Setembro de 2014

 

***

NOTAS MARGINAIS

 

Uma vez que não foi minha intenção produzir um trabalho académico exaustivo, fiz no entanto uma pesquisa sobre o tema em causa, tendo sido baseado em várias leituras de obras e autores, de que aqui deixo testemunho:

 

- Dicionário da História de Portugal, de Joel Serrão (1963-1971), do qual transcrevi algumas passagens, no corpo do livro.

 

- História de Portugal – Edição Monumental da Portucalense Editora, Porto (1928-1981) sob a direcção de Damião Peres (professor da Universidade de Coimbra) e Ângelo Ribeiro (Professor da Universidade do Porto), onde Jaime Cortesão (historiador português (1884-1960) refere a ligeireza do juízo de Oliveira Martins, historiador citado no livro de Laurentino Gomes (o qual eu também contesto).

 

De Jaime Cortesão são as seguintes palavras: «O povo português forneceu com o sangue o elemento étnico preponderante. O português forneceu os elementos essenciais da civilização material e espiritual, e, acima de todos, a língua e a religião. O português trouxe (ao Brasil) igualmente os elementos essenciais de génese e formação política, propriamente dita».

 

E prossegue: «Um povo de tão escassos recursos que, em luta contra as nações mais poderosas da Europa, consegue fundar, dilatar e defender aquele vasto império, possui uma capacidade criadora que o extrema do comum dos povos».

 

Jaime Cortesão diz ainda: «Se nos colocarmos dentro do ponto de vista de um monarca e dos estadistas daquele tempo, não nos será lícito considerar a saída para o Rio como um acto de fuga. E o contrário será perdermos de vista a consciência do que representava o império para os governantes dessa época. Partir para o Brasil era partir para uma qualquer província portuguesa, tão unitária era, naquela época, a concepção que se tinha do império português».

 

Para Jaime Cortesão (que também viveu no Brasil), tal como para mim a designação “fuga” é, pois, pejorativa, e Laurentino Gomes usa e abusa dessa “fuga” no seu «1808».

 

E o historiador conclui: «Resta-nos apenas dizer que o Brasil atingira por essa época (a época de Dom João VI) as sua maioridade económica e uma tal maturidade no espírito, revelada nas ciências e nas letras, que a independência se tornara uma questão de dignidade e os brasileiros bem mereceram que alguns acertos da metrópole, e os acasos da política exterior, tão singularmente favorecessem a sua proclamação».

 

- Marquês de Caravelas, um político, advogado, diplomata e professor brasileiro, que discursando no Senado por ocasião da morte do Rei, em 1826, disse: "Nós todos, que aqui estamos, temos muitas razões para nos lembrarmos da memória de Dom João VI, todos lhe devemos ser gratos, pelos benefícios que nos fez: elevou o Brasil a reino, procurou por todos o seu bem, tratou-nos sempre com muito carinho e todos os brasileiros lhe são obrigados...".

 

- Oliveira Lima, (1845-1894), historiador brasileiro, que com a sua obra intitulada Dom João VI no Brasil, se tornou o principal seguidor de uma corrente de opinião brasileira, defendendo a decisão da retirada de Dom. João VI para o Brasil como um acto de sábia política.

 

Diz ele: «Dom João VI, interpondo entre si e a Europa, convulsionada pelo mais terrível dos conquistadores, um oceano, obrava segundo as regras da prudência elementar, pois não tinha meios para se opor à invasão, e seguiu os ditames de uma sábia política, visto que foi o único monarca europeu que logrou escapar às humilhações napoleónicas, ao mesmo tempo que ia presidir à evolução do Brasil, elevado à categoria de Reino Unido».

 

- Adelto Gonçalves (doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo diz num artigo intitulado Dom João VI revisitado, divulgado recentemente: «Esta obra monumental, de Oliveira Lima, (publicada em 1908, pelo centenário da retirada da corte para o Brasil) um clássico da historiografia brasileira, bem documentado com pesquisas de arquivos, tornou-se modelo para estudos biográficos dos monarcas brasileiros, e que ainda hoje constitui um paradigma para aqueles que se aventuram no ofício de historiador.

 

Pouco lida, ao longo de 100 anos (havia sido reeditada apenas em 1945, e depois só em 1996 pela Topbooks), não teve força para derrubar o mito segundo o qual D. João era um príncipe medroso e bobão – imagem que Oliveira Martins pôs a andar, e que ainda hoje só historiadores nada sérios ainda fazem questão de repetir, talvez no afã de conquistar leitores mais facilmente.»

 

- Voltaire Schilling nasceu em Porto Alegre (Brasil) em 1944. Lecciona História há mais de 30 anos em diversas instituições de ensino, e publicou vários livros.

 

Sobre o período da História em causa, escreveu o seguinte:

 

«Diga-se que o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, instituído por Carta de Lei em 1815, era uma ficção e uma confusão. Até 1820, Portugal estava sob o governo de facto de um general inglês, Lord Beresford. O titular legítimo, D. João VI, o fujão, estava no Brasil desde 1808, corrido que fora de Lisboa pelas tropas francesas de Junot. Com a revolta anti-absolutista do Porto de 1820, o poder concentrara-se nas Cortes de Lisboa, instrumento dos liberais, os homens da casaca de briche, que, escaldados pelos excessos terroristas dos jacobinos franceses de 1793, preferiram manter-se obedientes a um regime com rei, lei e parlamento. Levaram oito meses convencendo o Bragança a voltar ao Tejo. Finalmente, em 26 de Abril de 1821, ele reembarcou com seus quatro mil cortesãos, rapando todo o ouro e jóias depositados no Banco do Brasil.»

 

- Robert Southey (historiador, escritor prosador e poeta britânico da escola do romantismo e "Poeta Laureado"). De 1810 a 1819 lançou uma "História do Brasil", em Londres, que foi a primeira publicação contendo a história geral do país, e que abrange todo o período colonial até à chegada de Dom João VI ao Brasil, em 1808.

 

Sobre esta obra diz Nelson Werneck Sodré, um militar e historiador brasileiro: «O que se deve ler para conhecer o Brasil: um dos grandes méritos (de Robert Southey) está em não se ter deixado fascinar pela tradição oficial, particularmente quanto à obra dos jesuítas, mantendo um julgamento próprio, estabelecendo critérios de discriminação diversos daqueles habitualmente adoptados

 

Da sua obra disse o próprio Southey: «Seria faltar à sinceridade que vos devo, esconder que a minha obra, daqui a longos tempos, se encontrará entre as que não são destinadas a perecer; que me assegurará ser lembrado em outros países que não o meu; que será lida no coração da América do Sul e transmitirá aos brasileiros, quando eles se tiverem tornado uma nação poderosa, muito da sua história que de outra forma teria desaparecido ficando para eles o que é para a Europa a obra de Heródoto

 

E mais adiante: «Com tanta ignorância e falsidade têm os portugueses, especialmente os portugueses americanos, sido acusados de frouxidão e indolência».

 

- William Becford (aristocrata inglês, romancista, crítico de arte, escritor de viagens e político – 1760-1844). No retrato que fez da Rainha Dona Maria I referiu que ela dominava pela sua atitude majestosa e aliciante, respirando benevolência. Era uma princesa bondosa e demasiado devota.

 

- «História do Mundo» de José Pijoan – Edição Portuguesa orientada pelo Dr. Álvaro Salema (1979).

 

Curiosamente, nesta obra existe um mapa representando a Europa ocidental em 1588, onde Portugal não existe como nação. Os países figuram por cores, e a Península Ibérica, constituída já nessa altura, como todos sabem, por Portugal e Espanha, aparece toda a roxo, e nesse roxo lê-se apenas a palavra Espanha. O que eu considero uma afronta.

 

- Frei Bartolomé de Las Casas (1474-1566) monge dominicano, cronista, teólogo, bispo de Chiapas (México), considerado o primeiro sacerdote ordenado na América, e grande defensor do povo indígena, foi uma importante testemunha ocular, que retratou fielmente a atroz carnificina de indígenas, bem como a desmedida ambição espanhola por metais preciosos. Perante estas barbaridades, não se calou, chegando mesmo a denunciar à Espanha (que na altura possuía um dos maiores impérios coloniais) o comportamento desumano dos colonizadores em relação aos povos nativos. E referiu o monge, num dos seus escritos: «A causa pela qual os espanhóis destruíram tal infinidade de almas foi unicamente não terem outra finalidade última senão o ouro, para enriquecer em pouco tempo, subindo de um salto a posições que absolutamente não convinham a suas pessoas. Enfim não foi senão a sua avareza que causou a perda desses povos e quando os índios acreditaram encontrar algum acolhimento favorável entre esses bárbaros, viram-se tratados pior que os animais e como se fossem menos ainda que o excremento das ruas; e assim morreram sem fé e sem sacramentos, tantos milhões de pessoas».

 

Tem razão Frei Bartolomé de Las Casas, ao afirmar que a história da conquista e colonização da América, foi uma obra escrita com sangue, não só dos espanhóis como também dos portugueses, dos holandeses, dos franceses, dos ingleses e de quem mais por lá andou a cobiçar riquezas.

 

Existe uma consonância de opinião entre Las Casas e Thomas Elliot Skidmore, um historiador norte-americano, especializado em temas brasileiros, no que se refere ao tratamento que os colonizadores espanhóis dispensaram aos nativos. Contudo, Las Casas é mais cortante nas suas críticas, quando refere que « (...) os espanhóis entravam nas vilas, burgos e aldeias não poupando nem crianças e velhos, nem mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e faziam em pedaços (...). Sempre matando, incendiando, queimando, torrando índios e lançando-os aos cães (...) e assassinaram tantas nações que muitos idiomas chegaram a desaparecer por não haver ficado quem os falasse (...) e no entanto ali teriam podido viver como num paraíso terrestre, se disso não tivessem sido indignos...».

 

Quanto a Elliot, ao recordar a extinção quase plena dos nativos da ilha Hispaniola (ilha que a República Dominicana compartilha com o Haiti) deixa-nos um relato extraordinariamente lúcido do confronto entre as duas culturas, a espanhola e a indígena:

 

«Em vinte anos, desde o desembarque de Colombo, a população dessa ilha densamente habitada havia sido quase varrida pela guerra, pelas doenças, pelos maus-tratos e pelo trauma resultante dos esforços dos invasores, para obrigá-la a aceitar modos de vida e comportamento totalmente desvinculados de sua experiência anterior».

 

- Graça Aranha (1868-1931) um ilustre escritor e diplomata brasileiro, num dos seus escritos refere: «Os territórios da América, foram a perpétua miragem europeia; mas, enquanto ingleses, espanhóis e holandeses aí fizeram incursões de traficantes, Portugal, vencendo a resistência de uma terra que não se entregava facilmente, e num momento de indústria ainda mal aparelhada, realizou uma consistente obra de Estado. O país (Brasil) foi descoberto, varado, estudado, conquistado por militares e funcionários, uma nação política foi fundada. Os vestígios dessa organização são os alicerces do Estado brasileiro».

 

Depois de tudo o que foi dito, há, portanto, que saber escolher as fontes. Não tanto pelo que dizem, negativamente ou positivamente, mas sobretudo pela lucidez com que interpretam os factos e os testemunhos. E então serão mais ou menos credíveis, conforme possuam ou não essa lucidez.

 

Os portugueses não foram o único povo colonizador da América do Sul. Faltou a Laurentino Gomes o “faro” histórico, que permite contextualizar os factos, e não abordá-los isoladamente, prestando, com isso, um péssimo contributo ao conhecimento da História do seu próprio país.

 

***

ESCLARECIMENTO

 

Pelo que ficou exposto, e para que não subsista qualquer dúvida na mente dos leitores, sinto-me na obrigação de esclarecer que sou uma assumida anti-colonialista, anti-imperialista, anti-racista, anti-xenófoba, anti-esclavagista e anti-preconceituosa.

 

Sou contra a pena de morte, contra a violência, contra a tortura e contra ditaduras (de direita e de esquerda).

 

Sou pela tolerância; defensora dos Direitos da Criança; defensora dos Direitos do Homem; defensora dos Direitos dos Animais; e essencialmente Pacifista.

 

Tenho o Brasil no coração, como minha segunda pátria; e todos os povos do mundo são meus irmãos; porém, não posso aceitar que menosprezem o meu País, apenas por preconceito, e ficar calada.

 

© Isabel A. Ferreira

 

(I Parte)

http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/dom-joao-vi-como-um-principe-valente-485068

 

(II Parte)

http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/dom-joao-vi-como-um-principe-valente-485454

 

(III Parte)

http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/contestacao-ao-livro-1808-de-laurentino-487321

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 18:15

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Comentários:
De Letícia a 16 de Julho de 2018 às 02:31
Creio que talvez você não tenha lido o livro por completo. Com exceção da referência à aparência de D. João, o livro faz a ele muitos elogios e está completamente longe de ser um livro comunista como você citou, muito pelo contrário, o livro é um elogio ao império do início ao fim.
De Isabel A. Ferreira a 16 de Julho de 2018 às 15:04
Cara Letícia,

Primeiro: eu li, reli e tornei a ler o livro do Laurentino, para poder refutar tudo o que há a refutar nesse livro escrito com um profundo preconceito e monumentais erros históricos.
O livro do Laurentino não faz qualquer elogio a Dom João VI, muito pelo contrário, a não ser que no dialecto brasileiro a palavra ELOGIO tenha outro significado. Porque em Língua Portuguesa, o que Laurentino escreveu chama-se INSULTO.

Segundo: não sei de onde tirou a ideia de que o livro de Laurentino é um “livro comunista”. Em parte alguma eu citei tal coisa.

Terceiro: o livro do Laurentino além de um monumental INSULTO tanto à História do Brasil como à História de Portugal, é também um colossal INSULTO à inteligência de qualquer leitor que tenha neurónios saudáveis e a funcionar.

Aconselho-a, portanto, a ler o livro do Laurentino e a minha Contestação com os olhos do cérebro. Por favor.

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