Ao cuidado do Ministério da Cultura, da Assembleia da República, dos Deputados da AR e do Presidente da República
No passado dia 7 de Setembro publiquei neste Blogue uma carta aberta à IGAC (Inspecção-Geral das Actividades Culturais) onde solicitava uma resposta acerca da tourada realizada no Carregado, a 3 de Setembro de 2106 que, segundo as informações disponibilizadas, não cumpriu as regras exigidas no novo RET (Regulamento de Espectáculos Tauromáquicos)
Eis o link do conteúdo da carta:
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/carta-aberta-a-igac-entidade-que-devia-675564
Até ao momento, não recebi resposta alguma.
Eis a arena amovível montada no Carregado, em área urbana, onde se realizou uma tourada apoiada pelo pároco local, e que segundo testemunhas, não cumpriu as regras estabelecidas no RET, por falta de curros, veterinário e outras exigências.
Ora, sempre ouvi dizer que «quem cala, consente», o que significa que aquele que não se manifesta contra uma atitude ou uma acusação formulada concorda com elas. Simplesmente calando-se.
Será este o caso da IGAC?
A IGAC nada respondeu. Calou-se, logo, consentiu na afirmação de que a tourada no Carregado não cumpriu as regras estabelecidas no RET, realizando-se ilegalmente.
Sabemos que desde o século XIII, este é o significado da máxima “quem cala, consente”, que aliás é comum a várias outras línguas, como por exemplo o Inglês “silence gives consent”, ou o castelhano “quien calla, otorga”), e como encerra uma realidade tão evidente, a expressão enraizou-se de tal modo que até foi adoptada por Bonifácio VIII, (Papa de 1294 a 1303), num dos seus decretos.
Se alguém (inocente) é acusado de ser conivente com um transgressão, a primeira reacção, a mais instintiva, a mais normal e natural é reagir e abrir a boca para dizer não é verdade e apresentar argumentos para a sua defesa.
É assim ou não é?
Pois na carta aberta que dirigi à IGAC, depois de várias trocas infrutíferas de e-mails, para obter uma resposta concreta acerca desta transgressão, escrevi o seguinte (e repito):
«(…) nós, defensores dos animais e também do RET (uma vez que ele existe), exigimos saber a verdade quanto à legalidade desta tourada (a do Carregado, mas já se realizaram outras, noutros locais, também ilegalmente, avalizadas pela IGAC).
Porquê?
Primeiro - Porque os funcionários da IGAC recebem salários oriundos dos nossos impostos, para inspeccionar, e nós, como pagadores, temos o direito de exigir eficiência a quem pagamos o salário.
Segundo – É exigível, no mínimo, que sejam as autoridades a dar o bom exemplo de competência e cumprimento da lei.
Por isso, reformulo a minha pergunta:
A IGAC inspeccionou a arena amovível montada em plena área urbana, no Carregado, e atestou se foram cumpridas estas duas alíneas do RET:
b) CURROS
No prazo máximo de dois anos contado (limite 12 de Agosto de 2016), nas Praças de Touros de 1ª categoria, construir curros que comportem duas reses de reserva.
No prazo máximo de dois anos contado (limite 12 de Agosto de 2016) as Praças de Touros Ambulantes devem instalar curros.
Nota:
O abate em curro deve ser executado ou controlado por um Médico Veterinário ou técnico indicado ou designado pela DGAV, sendo os respectivos custos suportados pelo promotor do espectáculo.
c) CONDIÇÃO PARA O ABATE DAS RESES EM SALAS DE ABATE
As Praças de Touros fixas construídas após 15 de Agosto de 2014 e todas as sujeitas a intervenções que não sejam de mera conservação ou manutenção, devem dispor de condições para efectuar, no local, o abate das reses lidadas.
Esta exigência do RET será rigorosamente cumprida, nas touradas que se realizam por aí?...
Uma vez que a IGAC não desmentiu as informações que nos foram fornecidas (falo no plural porque sei que mais cidadãos com espírito cívico, colocaram a mesma pergunta e também (ainda) aguardam resposta), temos a legitimidade de deduzir que a tourada do Carregado foi realizada ilegalmente. Assim como outras, em várias localidades do país, onde ainda se mantém estas práticas selváticas.
E se assim foi, isto é muito grave.
Será que a IGAC não cumpriu com as suas obrigações fiscalizadoras, e ainda assim deu o seu aval? Aliás, como acontece em 99,9%, para não dizer 100% das touradas realizadas em Portugal?
Agora pergunto: quem em Portugal tem competência para fiscalizar as actuações da IGAC, entidade dependente da tutela do Ministério da Cultura (já ouviram falar neste ministério?), no que se refere às práticas selváticas da tauromaquia?
Sabemos que a tauromaquia está bastante protegida, e que na Assembleia da República existem bastantes lobistas a protegê-la.
Mas isto ultrapassa todos os limites.
Portugal não é um Estado de Direito? Não vivemos numa Democracia? O povo não vota livremente nos seus representantes? Não lhes paga os salários provenientes dos impostos, para que cumpram as suas funções? Não é assim que todos nós comportamos, nas nossas profissões?
Então o que se passa?
Não só não fazem cumprir as regras, como não as cumprem.
E quem fiscaliza a falta de fiscalização das entidades que têm o dever de fiscalizar e não fiscalizam?
Ora, não existe, mas deveria existir uma Inspecção-geral das Entidades Fiscalizadoras (IGEF) escolhida aleatoriamente entre os cidadãos portugueses maiores de 35 anos, com profissões liberais (isto é, que não fossem funcionários públicos) e não estivessem filiados em partidos políticos, para que garantisse que as entidades fiscalizadoras fiscalizem, e não andem a fazer de conta que fiscalizam.
E ainda há outro detalhe: eu, como cidadã, que ajuda a pagar os salários dos que estão no governo, para governar e cumprir as suas obrigações, e não a vontade dos grupos de pressão económica (que são os que verdadeiramente mandam em Portugal) não poderei exigir que me seja dada uma resposta às questões da governação, que coloco e que quase nunca vejo respondidas?
Não será o povo o patrão dos governantes, e estes não terão a obrigação de dar contas ao patrão dos serviços que são obrigados a prestar, em troca do salário que recebem para o fazer?
Não será assim, com todos nós, que recebemos salários (os que têm a sorte de ter emprego)?
Portanto, agradeço que pelo menos uma das entidades acima referidas (Ministério da Cultura, Assembleia da República, Deputados da AR e Presidente da República) e às quais enviarei esta solicitação, tenha a gentileza de responder a estas minhas questões, uma vez que a IGAC não responde, ou então ficamos todos com a certeza de que as touradas realizadas em Portugal não cumprem a lei. E pior do que isso: que as entidades que deviam zelar para que sejam legais, também não cumprem a lei.
E se as leis existem não serão para ser cumpridas?
E se eu me recusasse a pagar os meus impostos, por entender que eles não estão a ser bem aplicados?
Isabel A. Ferreira
Os aficionados de selvajaria tauromáquica têm muita dificuldade em aceitar o que várias Ciências demonstram ser uma deformação da mente. Vivem com os pés fincados no passado e recusam a evolução. Têm medo da verdade e da mudança.
Preferem viver na ignorância, para não terem de enfrentar a dura realidade de descobrirem qual o grau exacto da patologia que lhes deforma a mente.
Até porque se aceitarem a verdade, acham que podem correr o risco de deixarem de ser o que são…
E isso assusta-os.
E isto faz-me lembrar a história do Salvador…
Salvador era um homem feito, de barba na cara, mas decidiu que não casaria enquanto a mãe (conhecida pela alcunha “a ruiva” devido à cor dos cabelos) vivesse.
Ela, no conceito dele, sempre fora uma santa de altar, que ficara viúva pouco antes de ele nascer. Criara-o sozinha, com grande sacrifício, e isso, ele nunca poderia esquecer. E lá ia vivendo a sua vidinha, pacata, do trabalho para casa, e da casa para o trabalho, com paragem, por vezes, na Taberna do lugarejo, o seu único “entretenimento”.
Um dia, porém, inesperadamente, um estranho entrou na taberna para se “refrescar”, e depois de beber uns copos, começou a recordar passagens pitorescas da sua vida, que iam fazendo as delícias dos homens que ali se reuniam, para jogar às cartas, beber e conversar. Foi então que veio à baila “a ruiva” que ele conhecera em tempos idos, num bar de alterne, e que um dia engravidou e foi de lá corrida quase a pontapés, por não ter mais serventia. Percebiam, não percebiam?
E as gargalhadas jocosas soaram alto.
Ora juntando isto a mais aquilo, e mais o facto de o indivíduo ter reconhecido “a ruiva”, quando ela, nesse dia, por azar, entrou na taberna, para comprar vinho como era habitual, Salvador descobre, ali mesmo, que a mãe fora uma famosa e bela prostituta, das mais requisitadas, e que nunca soube quem era o pai do seu filho.
De uma só virada, Salvador ficou a saber que era filho de pai incógnito e que a mãe, além de não ser santa, era uma grande mentirosa e hipócrita.
Hipócrita, porque desde que Salvador se conhecia como gente, uma vez por ano, no dia 13 de Agosto, dia do (suposto) aniversário da morte do pai, a quem a mãe chamava o “meu querido Totó” (diminutivo de António), acompanhava-a até ao cemitério local, e diante de uma campa rasa (uma campa de ninguém, abandonada há anos, soube mais tarde) onde ela depositava uma flor que arrancava furtivamente do jardim público (as posses eram poucas), chorava baba e ranho, com ladainhas e orações à mistura, por alma do Totó, ritual que Salvador acompanhava sempre com muita consternação ao ver o enorme sofrimento da mulher que o dera à luz.
E os dois ficavam ali, um tempo sem tempo, a chorar sobre o túmulo de ninguém, apesar de Salvador sempre ter estranhado o facto de a mãe não ter uma fotografia do pai.
Ao ouvir a narrativa do estranho, Salvador sofre um tremendo choque psicológico e instintivamente recusa-se a acreditar nesta verdade, à qual chama repetidamente mentira, até porque a mãe dizia que o indivíduo estava bêbado e devia estar a confundi-la com outra ruiva, que não ela. Mas “ruivas” nunca as houve aos magotes, e ainda mais por aquelas bandas.
Se Salvador decidisse acreditar no que descobriu, a sua vida, a sua realidade, a sua história mudaria por completo. Ele não seria mais ele, nem a mãe seria mais a santa de altar que ele tanto venerava, e aquele ritual do 13 de Agosto nunca mais se repetiria, e ele ficaria definitivamente órfão de pai, e quando saísse à rua sentir-se-ia como se estivesse completamente nu.
Saiu da taberna, cabisbaixo, atrás da mãe, repetindo não é verdade, não é verdade, é tudo mentira… E a mãe a dizer que sim…
E quando queremos que uma verdade seja mentira, ou uma mentira seja verdade, repetimo-la até à exaustão, e então ela passará a ser o que quisermos que seja.
Foi o que fez Salvador. A mãe continuou a negar. Ele a recusar-se a acreditar, e assim o tempo foi passando, e a vida foi sendo vivida quase como dantes… Quase… porque a dúvida instalara-se na mente de Salvador, e isso flagelava-o.
Naquele ano, o ritual do cemitério realizou-se sem a baba e ranho habitual… E este pormenor foi o princípio de alguma coisa que começou a burburinhar na mente de Salvador.
Um dia, em que a mãe saiu, Salvador virou a casa do avesso, com o intuito de encontrar alguma coisa que aquietasse aquela dúvida que estava a corroê-lo por dentro.
Foi então que, escondido entre a roupa interior da mãe, encontrou um pequeno álbum de fotografias, que ele nunca tinha visto. E entre as fotografias estava uma, aquela que o catapultou para a realidade que ele tanto fazia questão de negar, para defender a vida tal como sempre a vivera: a mãe, uma lindíssima ruiva, ali estava, em trajes de coelhinha da Playboy, numa pose que nada condizia com as das santinhas de altar…
Naquele momento o mundo desabou sobre a cabeça de Salvador: ele já não tinha um pai chamado Totó, que estava enterrado numa campa rasa, que a mãe enfeitava com uma flor roubada no jardim público; a mãe já não era a santa de altar que ele sempre tinha venerado; a verdade da vida dele passara a ser uma mentira. Ele já não era ele. Quem seria então?
Agora não tinha mais nada: nem identidade, nem vida, nem pai, nem mãe. O que fazer das ruinas em que esta descoberta transformou a sua vida?
Saiu de casa, deixando-a revirada do avesso.
Nunca mais ninguém soube do Salvador.
A “ruiva”, essa, continua a ir ao cemitério, visitar a campa de ninguém, onde agora, em vez de uma, coloca duas flores arrancadas furtivamente do jardim público.
***
É disto que os aficionados têm medo, quando se recusam a acreditar na realidade patológica das práticas selváticas da tauromaquia.
Isabel A. Ferreira