Copyright © Isabel A. Ferreira 2009
Foi com o máximo interesse que tudo o que respeita à História de Portugal e nomeadamente a Biografias me desperta, que li o livro de Luísa Viana de Paiva Boléo – «D. Maria I – A Rainha Louca», editado pel’A Esfera dos Livros (edição de Fevereiro de 2009), um livro interessante, repleto de pormenores, bem contextualizado, que nos dá um conhecimento alargado de um período da nossa História, marcado por quatro monarcas portugueses (D. João V, avô de Dona Maria I; D. José, seu pai, a própria D. Maria e D. João VI, seu filho) que, exceptuando o despotismo mais acentuado de D. José (talvez por influência do prepotente Marquês de Pombal, seu ministro) deixaram uma obra considerável, colocando Portugal ao nível dos demais reinos europeus, em quase tudo.
Penso que livros como este são extremamente importantes para que os Portugueses comecem a conhecer melhor a nossa História e as nossas figuras históricas, mesmo sendo à margem da escola, uma vez que na escola, quem manda nestas coisas, teve a infeliz ideia de retirar dos programas o estudo de tudo o que é importante saber sobre Portugal e os Portugueses de outros tempos, que ajudaram a edificar um país, que só não é grande, hoje, porque os que vieram depois dos antigos não souberam interpretar a modernidade, destruindo o que entenderam ser “valores reaccionários” para introduzir na sociedade portuguesa valores importados, ainda mais reaccionários e que não servem os verdadeiros interesses do povo português.
Por esse motivo, Portugal, hoje, não tem a importância que já teve no mundo, porque os seus governantes, a partir da implantação da República, pouco ou nada fizeram de relevante, para que o nome de Portugal fosse reconhecido desde o Cabo da Roca ao extremo mais oriental do planeta, e o pouco que realizaram ficou para a História envolto numa auréola negativa.
Afinal derrubara-se a monarquia com a finalidade de mudar as “políticas despóticas dos reis”, e o que aconteceu foi uma I República muito atribulada, onde as classes mais desfavorecidas continuaram a ser desfavorecidas; seguindo-se uma ditadura e um “Estado Novo” com ideias velhas; depois uma vergonhosa Guerra do Ultramar; e mais adiante uma Revolução dos Cravos, na qual se colocou todas as esperanças de uma democracia democrática, e o que temos hoje? Um regime autoritário pouco esclarecido, que arrasta Portugal para o caos, por falta de lucidez política.
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Retomando o livro de Luísa Boléo, a sua leitura impôs-me várias perplexidades, e uma delas, a que mais me marcou, foi a do cognome Rainha Louca, que a autora utilizou por diversas vezes, do início ao final do livro.
Rainha Louca porquê?
O povo cognominou-a de Piedosa. Era também Majestade Fidelíssima, título que herdou do seu avô D. João V, atribuído, pelo Papa Bento XIV, àquele monarca e aos seus descendentes.
Dona Maria Francisca, Princesa da Beira, nasceu a 17 de Dezembro de 1734; começou a reinar em 1777; em 1792, manifestou-se pela primeira vez a sua instabilidade mental; em 1799, devido ao agravamento da sua doença mental, seu filho D. João (que veio a ser o VI) tornou-se Regente do Reino; Dona Maria morre em 1816.
Reinou durante 15 anos, e a obra que deixou não foi a de uma rainha louca. Pelo contrário, reinou com muita lucidez, e quando essa lucidez se esvaeceu, foi sabiamente afastada da governação.
Dito assim, Rainha Louca, dá-me a sensação de que fomos governados por alguém que não estava na posse das suas faculdades mentais. O que não é verdade. Por esse motivo, não considero apropriado esse cognome. É manchar a memória de uma Rainha, que foi piedosa, e nem mais nem menos devota do que todas as outras rainhas europeias, ou damas da corte ou senhoras fidalgas, ou da burguesia ou até do povo, porque, na verdade, a instituição Igreja, com sede em Roma, estava de tal modo enraizada na vida e na política dos reinos, que praticamente era ela que “reinava”, espalhando entre as almas, o medo dos infernos tenebrosos, e apresentando um Deus mais para ser temido do que amado.
Daí pensar que determinadas “loucuras” daquela época não tinham o sentido que hoje lhe damos, à luz da psiquiatria. Dona Maria I era uma mulher extremamente sensível, delicada, dada às artes, de gostos refinados, e influenciável pelas manigâncias do clero que rodeava a corte, não só a corte portuguesa e a nossa Rainha, mas todas as cortes, todas as rainhas e reis de reinos onde a Religião Católica estava implantada. É provável que a “loucura” da rainha hoje tivesse outra leitura. O medo, por exemplo, pode levar a estados delirantes, que facilmente podem confundir-se com “loucura”. E Dona Maria I era uma mulher de medos, infligidos, nomeadamente pelo seu confessor, o bispo do Algarve, D. José Maria de Melo.
Naquele tempo, além dos reis e rainhas, reinava também o medo. Por isso, não considero apropriado ligar ao nome de Dona Maria I, o epíteto Rainha Louca. Aliás, no livro de Luísa Boléo, quando esta cita determinadas fontes da época, achei curioso o facto de nenhuma dessas fontes se referir a Dona Maria como a Rainha Louca. Essa será uma denominação posterior, atribuída, talvez, pelos seus “inimigos”.
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Uma outra pequena reflexão que me ocorreu ao fazer a leitura deste livro, foi sobre o que os anti-monárquicos criticam, por exemplo, no que respeita à faustosa corte de D. João V (conhecido como o Rei Sol português), semelhante em tudo às outras faustosas cortes europeias, esquecendo-se aqueles de que os governantes portugueses actuais usufruem dos ainda faustosos Palácios desses tempos, tais como o das Necessidades (mandado construir por aquele monarca, e que após a proclamação da República, tornou-se a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, função que continua a desempenhar até aos dias de hoje); o da Ajuda, o de Queluz, o de Belém, enfim, poderiam abdicar dessas reminiscências monárquicas e irem instalar-se em edifícios mais ao jeito republicano ou democrático. Mas o que é bom é bom. E o que é belo é belo. Como podemos abdicar disso?
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E a leitura prossegue agradável, com muita informação acerca das realizações dos nossos monarcas, e de entre elas, uma iniciativa que foi abandonada, o que só demonstrou da parte dos governantes posteriores à monarquia, uma má medida e falta de visão, porque um país sem Cultura é um país à deriva. Refiro-me à questão do Mecenato, da protecção às Artes e às Letras, às Ciências, e a paixão pela música. Os nossos reis tinham esse requinte: o gosto pelas coisas belas.
Luísa Boléo refere na sua obra que «a Rainha Dona Maria I deu particular impulso à publicação de obras de autores portugueses…na linha editorial de seu avô Magnânimo (D. João V).
Enfim, a protecção às Artes e às Letras e Ciências ficou patente nos inúmeros apoios que os escritores, poetas, artistas plásticos, cientistas e músicos da época usufruíam, por parte dos monarcas.
Comparado com os tempos actuais, não haverá um só escritor, poeta, pintor, cientista ou músico português desapadrinhado (isto é que não tenha “padrinhos” bem posicionados) hoje, que gozem do apoio do Governo para poder sobreviver. Nem sequer existem leis que protejam os seus direitos, quando os editores decidem não cumprir os contratos que com eles assinam, chegando-se ao descalabro total.
E os nossos grandes das Artes e das Letras e das Ciências, só são grandes e reconhecidos no estrangeiro. E a lista é bem grande.
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Antes de terminar, preciso de fazer um reparo à Luísa Boléo. Na página 288, refere a certa altura: «… não permitiam que o anafado D. João (o VI) se aventurasse em significativas histórias de “saias”».
Nesta frase o que me interessa fundamentalmente é o termo “anafado”. Tal como contestei na minha Contestação ao livro «1808», os epítetos descorteses com que o jornalista brasileiro Laurentino Gomes brindou o nosso D. João VI, aqui também contesto o facto de Luísa Boléo se referir a D. João como o “anafado”. As características físicas dos governantes, sejam elas boas ou más, ou sejam eles bons ou maus governantes, não devem servir para os designar.
Não importa se são gordos, feios, coxos, magros, belos, loiros, de olhos azuis. O que interessa é o que fazem pelo país que governam. E D. João VI, depois de tão amesquinhado por historiadores provavelmente anti-monárquicos ou preconceituosos, está agora a ser reabilitado, e muito bem, pois na sua governação D. João saiu-se muito melhor do que esses que o criticaram, e dos muitos que já nos governaram depois dele.
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Finalmente uma crítica à editora: é completamente inadequado colocarem as notas de rodapé, no final do livro. A leitura de um livro deve ser prazeirosa, e ter de andar “lá e cá” a ler as notas de rodapé, num lugar que não é o rodapé, é uma prática impraticável, e que eu me recuso a praticar. Por isso, não sei do que falam essas Notas.
Mas deu-me muito prazer ler o livro.
Isabel A. Ferreira